quinta-feira, 22 de abril de 2010

A Rosa de Luxemburgo

Camarada Rosa,

Depois daquele chá passei dias e noites a refletir. Sim, também eu sonho como a união de amor e de intelecto. Preciso admirar a mente daquele que comigo compartilha os dias e as noites. Ainda assim, não posso deixar de notar que o desejo de ser quem sou, de ir e vir sem limites, de permanecer quando queira, mina qualquer possibilidade de realização desse ideal romântico que teima em volver. Então será que compreendo o sentido de compartilhar? Será que idealizo essa união de corpos, mentes e almas? Há coerência entre o sonho e meu transitar no mundo?

Confesso, camarada: não sei. À distância essa conjunção plena é o único caminho possível. No entanto, quando a realização se aproxima, sinto crescer em mim um muro de tijolos invisíveis que vai subindo lenta e magicamente até o limite de impedir-me a respiração. Sinto-me sufocar e logo quero distanciar-me, mas, à distância, de novo a saudade da plenitude e do encontro de corpos, de almas e de mentes.

Tal incoerência faz com que me senta inadequada. 'Não pertenço a este mundo' . Se por um lado, o ideal me aproxima incovenientemente das mulheres que, mesmo numa época de revolução, permanecem adormecidas e submissas ao sistema de dominação patriarcal e de classe que ora vige. Por outro , a liberdade de pensamento e de conduta que almejo e mesmo que exercito, me aproxima das camaradas revolucionárias. Eu, em meio à controvérsia, vienho debatendo-me há muito entre razão e emoção, sem dar-me conta de que talvez, apenas talvez, o mundo não precise ser uma coisa ou outra, e sim, uma coisa E outra. É possível, essa é a tese que venho sustentando intimamente, que nossa vida, afinal, não seja uma sucessão de escolhas excludentes, mas de uma conduta includente que possa acolher amorosamente a diversidade em todos os seus vários sentidos.

O chá naquela tarde da última primavera em Berlim , confortou-me a alma. Finalmente já não era a única que se retorcia em tal controvérsia e que considera a hipótese - ainda pouco definida - que o acolhimento dea diversidade possa ser, afinal, um caminho igualmente válido e - quem sabe - mais revolucionário que a própria revolução de classes. Não me refiro apenas ao acolhimento à diversidade poética, mas a aceitação e o respeito real pela diferença, inclusive às diferenças ideológicas e políticas.

Pergunto-me há bastante tempo porque a vida tem de ter um ''lado'''? Porque estar em um lado elimina a possibilidade de estar em outro. Não seria essa uma forma de alimentar a competição tão própria do sistema capitalista? Não há um caminho do meio?  Sei que as idéias que ora exponho - compartilhar? - poderia ser partilhada com ninguém mais. Não conheço quem hoje pudésse compreender  tais reflexões, mas tu, camarada Rosa, estou certa, entende a tormenta que toma minha mente e meu coração. 

Espero pelo dia em que possa declarar que sonho com uma casinha com flores na janela, em que compartilhe idéias e afetos com aquele que admiro e amo. Sei que tu, camarada, também por isso anseia, embora não seja compreendida por aquele com quem vem partilhando as lutas e os afetos, as idéias e os sentimentos.

Deixo-te, camarada, esperando que esta reflexão te encontre forte em tuas convicções e aberta às novas reflexões, sempre.

Anita

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