quinta-feira, 25 de junho de 2015

Carta em dia de ventania




Querido Caio X,

Nossas pausas são longas. Senti falta de tuas linhas esculpidas. Há semanas sinto o silêncio vir se aproximando, como que a espreita do momento exato de se instalar com escova de dentes e muda de roupa. Aquele silêncio que empurra o olhar para fora, para longe, para as montanhas e vales distantes. O silêncio que ensurdece e desconecta do mundo.

Tem sido semanas fundas. Dias de frio longo e fino percorrendo o corpo. Dias de brisa e de ventania. Mas frios... sempre frios. Talvez seja por causa do barulho da rua, talvez pela distância das praias, quem sabe pela coação do desapego que desabou sobre tudo o que havia, encaixotando a vida em 60 volumes.

Memórias envoltas em plástico bolha e papel foram uma a uma cuidadosamente colocadas em caixas, assim como sentimentos. [Re]abrir os invólucros é lidar com as lembranças enclausuradas por dias e dias, às vezes por meses ou por anos.

Bride with a fan - Marc Chagall
Emoção à flor da pele e o olhar que condena a expressão dos incomodos a dizer silenciosamente como devo ou não devo sentir os meus próprios sentimentos. Silêncio cresce em mim. Silêncio e distância vão crescendo em mim. E por várias vezes quero parar o gira-gira e brincar de outra coisa. Girar e girar, ver sempre as mesmas paisagens tortas. Sinto-me tonta.

De súbito, percebo o delírio... Em verdade eu não estou sentindo nada. Nem dor, nem medo, nem raiva, nem tristeza... Já não sinto nada, só a presença crescente do silêncio tomando conta dos cantos, preenchendo todas as fendas. Estou aqui, observando. Nem mesmo me pergunto onde o silêncio me levará. Já não importa. Presente é sentir o nada que a ausência de sons traz sem cerimônia. Não há urgências, somente o silêncio da areia que desliza na ampulheta.


Suas pausas são longas. As minhas também. Mas os encontros de nossas letras tem a potência de um extase.

De sua sempre,

Anita Lopes