segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O Enterro dos Ossos

[...]Amar é qualquer coisa de mais grave e significativo do que o entusiasmo pelas linhas de um rosto e a cor de uma face; é decidirmo-nos por um certo tipo de ser humano que é simbolicamente anunciado nos pormenores do rosto, da voz e dos gestos.

O amor é uma escolha profunda. (Ortega y Gasset)




Ela e suas circunstâncias  [parafraseando Ortega y Gasset]
Vivera aquele Natal cálido e chuvoso
Metida num frente-unica amarelo,
Pés vestidos de esmalte carmim
Envolta num blois encarnado
Nos cabelos flores,
Na boca, apenas o sorriso largo.
Frida Khalo em pleno Pedro Almodóvar.
Viveu a celebração dos afetos reais
Abandonou os abraços partidos
Dependurados [na chuva]

Não se abandona mais, não há perigo.
Era agora o que sempre fora e não havia se dado conta:
Uma mulher como poucas
Uma mulher para poucos.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A Ceia de Natal

Eu dizia das mulheres da minha família na cozinha em época de Natal. Dizia das lembranças dos odores, dos sabores daqueles deliciosos Natais em família.

A cidade em que moro tem uma significativa parcela de moradores sazonais. Nesta época do ano, muitos, por razões profissionais, não podem ir ver suas famílias nos estados de origem.

Eu, de outro lado, a cada dois anos fico sem filh@s no Natal. Coisas de uma mulher separada. Natal de pai. Nessas ocasiões realizo lá em casa o Natal do MSF_BSB. O que significa? Bem, Movimento dos Sem Família em Brasília.

Este ano terei um desses maravilhosos Natais entre amig@s querid@s. Há duas semanas venho testando receitas, pensando o menu, experimentando misturinhas, sabores e preparando os presentes - feitos por mim, um a um - para as pessoas maravilhosas que estarão comigo esta noite.

Fiz azeite aromatizado. Doce de cupuaçu aromatizado com pimenta da jamaica (experiência), biscoitos amanteigados e antepasto de bacalhau (receita maravilhosa, testada e aprovada, do pai do meu grande amigo Tibagi). Estão lindamente acondicionados em potes de vidro decorados [by myself]. Tudo simples, mas feito com muito carinho e dedicação.

Em cada pote uma parte de mim, um pedacinho do enorme afeto que sinto pel@s que receberão a dádiva. Demonstração de todo o amor que posso compartilhar, de tudo de bom que tenho para dar, porque

É NATAL, E TODOS TEMOS DIREITO A ACONCHEGO, AFETO, AMOR, AMIGOS POR PERTO.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

É Natal...

Costumo ser mordida pelo bicho-resmungão no Natal. Não sei o porquê. Tive experiências ótimas de Natal. Em minha família sempre foi uma festa linda, com todos os tios e tias, primos e primas reunidos em torno do patriarca e da matriarca da família de minha mãe.

Passava o ano inteiro esperando por aquelas férias, pelo Natal. As mulheres reuniam-se na cozinha para preparar os acepipes, enquanto os homens (cultura patriarcal é uma 'graça) passavam o dia jogando War, bebericando whisky ou cerveja e comendo as delícias que saíam periodicamente da cozinha.

Eu, filha primogênita, neta primeira, primeira sobrinha da família (e muito metida) ficava com o segundo grupo. Pode ser uma surpresa para aqueles que me conhecem e sabem de meu amor pela culinária, pelas panelas, temperos, sabores. Mas é verdade. Ficava com os homens da família jogando War, e, não raras vezes, venci os marmanjos do alto de minha precocidade.

Os dias passavam assim, entre risadas, sabores, companheirismo. A noite de Natal, em que sempre nos arrumávamos com roupas especiais, era linda para nós. Só muito mais tarde me dei conta de que em algumas famílias não há boas lembranças, em outras sequer há lembranças. Mesmo a tradicional briga da véspera, hoje tem gosto de saudade. Era seguida de pedidos de perdão emocionados, abraços e afetos. Éramos uma família grande e feliz.

Quem conhece meus textos anteriores sobre o Natal 2006 e sobre o Natal 2007 sabe que tenho sido por vezes ácida/irônica, outras panfletária. Os textos anteriores em nada lembram uma Poliana natalina, com estrelinhas nos olhos, convicta de um mundo melhor.

A verdade é que vinha guardando minhas convicções para os outros 364 dias do ano e no Natal, escrevia na contra-mão do universo. Nada de Jingle Bells. Esse ano, minhas lembranças de família falaram mais alto que qualquer contra-mão e resolvi honrar a tradição do ''Natal tempo de Harmonia e de Fraternidade''.

Sim, o Natal é especial para mim. Sempre foi parte de minhas mais doces lembranças de infância. Este ano, Feliz Natal para Todos/Feliz Natal! Celebremos a AMIZADE, o AMOR, a PAZ e a HARMONIA, porque


TODOS TEMOS DIREITO A ACONCHEGO NO NATAL.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

domingo, 13 de dezembro de 2009

V - Carta de Anita Lopes a Caio Marques

Caio,

Ontem à noite resolvi sair sem direção para refrescar as idéias. Faz um enorme calor por aqui. Enquanto passava pelas ruas, dei-me conta de como essa cidade é viva. Já passava das dez da noite e as pessoas passeavam como se fosse o entardecer.

Vi um homem comendo pipoca embaixo de uma árvore a pensar na vida. Outro palitava os dentes despreocupado. Havia negros, brancos, mestiços. Uma mulher conduzia seu bebê num carrinho. Muita vida na cidade, fiquei extasiada.

Não costumo sair à noite. Desde que cheguei aqui, evito. Muito porque fui advertida sobre os perigos de transitar à noite pelas ruas, muito porque sou diurna, você bem sabe. Ontem, ao percorrer as ruas da cidade, sentindo o ar morno na pele, vendo todas aquelas pessoas despreocupadas aproveitando as horas, percebi quão falaciosa poderia ser a advertência.

Vi meninotas brincando nas calçadas, tomando coletivos. Vi casais de namorados, vi gente passeando nas areias da praia. Vi a vida da cidade pela primeira vez em meses. Percebi que não estava vivendo o lugar, que estava reclusa, completamente cooptada pelas questões políticas, descolada das pequenas coisas do dia-a-dia da vila.

Meu querido, como foi bom sentir-me parte desse lugar pela primeira vez. Quis que estivesses aqui para juntos observarmos os passantes, adivinhando-lhes a história. Lembrei-me da última vez que viestes me visitar e até de nossa divergência com alguma saudade.

Sim, as saudades são imensas. Porém, agora deixo-te, domingo é dia de feira e sabes como gosto de passear entre os gritos dos feirantes agitados nas manhãs de domingo.

Sua,

A.L.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Uma Vez Flamengo, Flamengo até morrer...

Uma vez Flamengo, flamengo até morrer (...)


Ainda me lembro o dia em que comecei a me interessar pelo Flamengo. Devia ter uns sete a oito anos de idade. Naquela época havia um album de figurinhas com jogadores de futebol e times. Meu melhor amigo, Paulo A., era torcedor doente do Flamengo. Ele tinha todas as figurinhas e mais algumas. Era época de Toninho Cerezo [oops Toninho nunca jogou no Flamengo, mas no Atlético Mineiro]*, Cláudio Adão no time. E eu ficava fascinada com tudo o quanto ele me contava. Ouvia atenta as estórias.


No entanto, futebol nunca foi uma paixão em minha casa. Assim, eu me tornei torcedora do time, mais por sociabilidade que por convicção. Em minha família, futebol só nos tirava de outros programas se fosse na Copa do Mundo, jogo da seleção brasileira.


Mais tarde, ao me casar reafirmei minha torcida pelo Flamengo. Mais para ser ''do contra'' - ele era vascaíno - que por convicção (de novo). Sempre gostei de vermelho e preto, as cores de Paloma Picasso, por aí se tira minha paixão pelo futebol.


Hoje, assistia ao jogo, reafirmava minha torcida ao rubro negro. Ao lado, inflamado, um colorado apostava na calhordice do co-irmão 'Grêmio'. Conforme os minutos passavam, mais me convencia - anote Luís Fernando Veríssimo - que o co-irmão não ia entregar o jogo, como todos os colorados apostavam.


Ao contrário, vi o Grêmio cheio de garra e vontade de vencer partir para cima de um Flamengo ansioso, por vezes perdido e algo desorganizado em campo. Enquanto isso, no Beira Rio, o Colorado ia dando de lavada no Santo André - quem? - sim, no Santo André, que caiu para a segundona.

O jogo corria quase fácil no Beira Rio, enquanto o Grêmio suava a camisa para reafirmar a vitória de seu arqui-rival. Caso o Grêmio empatasse ou vencesse o rubro-negro, o Inter comemoraria o tetra campeonato, após trinta anos de espera e no ano de seu centenário. Seria 'a glória!'.


No Maraca, não apenas o Grêmio se esforçava por colaborar com a vitória do Inter, como também o Flamengo com seu tom de jogo parecia querer entregar a taça aos gaúchos. Grêmio abriu o placar, contrariando todas as expectativas dos colorados que apostavam na calhordisse. O Flamengo abalado pelo gol do Grêmio, ficou ainda mais sem rumo dentro de campo.

O Inter, em perfeita sintonia com o Grêmio (quem diria), balança a rede no Beira Rio, quase ao mesmo tempo, para desespero completo dos flamenguistas. No Maracanã, o Flamengo não era um time. Até que num lance conseguiu, sabe Deus como, empatar o jogo. Mas não bastava empatar, o time tinha de vencer. E a agonia continuava no Maracanã lotadérrimo. Goooooll do Inter em Porto Alegre: Inter 2 x 0 Santo André. Fim do primeiro tempo.


De volta ao campo, Inter tetra campeão brasileiro em seu centenário. A bola rola no Maracanã: nada de gol. Inter 3 x 0 Santo André, vai sagrando-se campeão brasileiro ''quase sem esforço'' e a despeito de tudo o que falaram dos gremistas. E o jogo segue. Àquela altura me dei conta que o Fla não estava merecedor do título. Via um Grêmio aguerrido lutando por preservar sua honra, um Inter implacável defendendo a taça. E o Fla lá... Tocando a bola.


Bem, é o ano do centenário do Inter. Aquele time que foi criado para acolher a diversidade, enfrentar a xenofobia há cem anos atrás. Convicta que sou no futebol, fiquei a pensar: os colorados bem que merecem esse tetra, afinal é o ''ano-do-centenário-do-time'', o Fla não tá jogando nada e o Grêmio está mostrando-se profissa e bom de bola.


Ingredientes perfeitos para uma virada de casada depois de dezenas de anos desde minha apresentação  ao Cláudio Adão, depois de Júnior e do Galinho de Quintino. Afinal, qual o problema? Só assisto jogo de futebol da seleção brasileira e em Copa do Mundo. Minha sólida convicção estava seriamente abalada e o Inter faz mais uma entrar. Inter 4 x 0 Santo André. E o Flamengoooooolll de novo. aí complicou. Estava certa da vitória do Inter. Não era justo. O time jogou melhor, o Grêmio foi honrado e o Fla na lerdeza ia levar?!


Afinal, por quem mesmo que torci nas últimas décadas? Lá estava eu, xingando pela bola perdida pelo Grêmio, torcendo para que o co-irmão enfiasse mais uma no Fla. Vira-casaca total. Em minha defesa tenho a dizer que além de jamais ter sido convicta de minha torcida, sempre fui coerente com a justiça. E, acreditem, o Inter, neste caso, merecia mais. Afinal,


TODA MULHER TEM DIREITO A VIRAR A CASACA, MESMO QUE SEJA NO ANO DO HEXA CAMPEONATO DO TIME QUE COSTUMAVA CHAMAR DE SEU.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

IV - Carta de Anita Lopes a Caio Marques

Caio,

Desta vez não poderei me alongar. O Conselheiro de Finanças acaba de entregar o cargo e há grande tensão por aqui. Sérgio V. sempre foi um homem íntegro e por um bom tempo tentou, sem êxito, mostrar ao Primeiro Ministro que a forma como estava conduzindo as coisas deixava margem para problemas de ordem legal. No entanto, a Ordem dos Conselheiros Mais Próximos não apenas insufla o Primeiro Ministro a tomar medidas questionáveis, como também zomba das recomendações do Conselheiro de Finanças.

Não sei como ficaremos eu e R. sem o Conselheiro de Finanças a nos orientar e nos proteger de desmandos. M. pediu a R. calma. Há rumores de que o Conselheiro de Políticas do Primeiro Emprego responderá pela pasta de Finanças. Por outro lado, o Bufão-mor da província arvora-se a Conselheiro de Finanças, distribuindo sorrisos e gracejos pelos corredores do Palácio. Fortes ventos tentam colocá-lo na posição vaga, mas soube que há resistência por parte da Ordem dos Conselheiros Mais Próximos.

Meu querido, temo que em breve eu deixe a província. Não poderei permanecer violando princípios e valores que me orientaram por toda a vida. Sinto pelo Primeiro Ministro, homem por quem aprendi a nutrir grande afeto. Se houver oportunidade, veja se há por aí alguma colocação compatível com meus saberes e fazeres.

Sua,

A.Lopez