domingo, 28 de junho de 2009

A Mulher Invisível




Se visto pelo dito, é o retrato da esquizofrênia. Roteiro muito bem escrito, direção impecável,elenco impagável. Se analisado com um pouquinho de atenção é a metáfora da idealização do parceiro, tão corriqueira, na maior parte dos relacionamentos. Não nos apaixonamos por um ser diferente de nós, mas por um reflexo de nós mesmos, por nossos ideais. Confundimos o ideal com o real e um dia dizemos ou ouvimos:'Você sequer sabe quem sou, como pode dizer que me ama?'


E é verdade. Ao olhar para trás, qual de nós não se pergunta: 'Afinal, o que tínhamos em comum?' Reflexo da ilusão que viveramos ao nos decidirmos por nos casar com um ideal, uma fotografia de família feliz na parede do quarto. Então nos damos conta de que fantasiamos um sentimento que gostaríamos de ter, por alguém que constaríamos que nos amasse. E eles eram tão diferentes...


Em geral, as mulheres, embora alguns homens não escapem dessa auto-armadilha, entregam-se a relação, atualizando o papel que a sociedade lhes reservou por séculos. Ao fim de alguns anos, depois de muito representar com excelência e a custa de esgotamento emocional a persona ideal, a solidão a dois se instala.


E o sonho acaba, um dos dois acorda e com a mala pronta vai em busca de outro ideal ou de uma vida real. Parte, sem maiores explicações. Para quem fica o mundo cai. Afinal percebe a farsa em que se enredou e de tanto fingir que era a pessoa ideal, acredita que só pode existir no mundo, se validada pelo parceiro. Solidão a dois de dia, faz calor depois faz frio passa a ter sentido.


Que fazer? Ele viveu com a mulher invisível, não enxergava quem estava a seu lado. Inventou um modelo ideal e passou os anos se esforçando para fazer a mulher real entrar na caixa do modelo ideal. Ela, por sua vez, foi uma mulher invisível, que se esforçava para caber na caixinha e quanto mais se espremia lá dentro, menor ficava, mais só se sentia.


Felicidade foi-se embora, mas não há saudade no peito. Hora de reconstruir a subjetividade sequestrada, reduzida e massacrada por tantos anos. Hora de sentir-se novamente pessoa, sujeito de suas escolhas. Sem ser censurada, desqualificada, reduzida ou menosprezada. Hora de redescobrir quem se é, e finalmente, não sentir mais medo. Momento de parar de encolher-se diante do abusador ou qualquer um que queira representar tal papel.


Momento de abrir os braços para o mundo e reconhecer-se única, com qualidades e dificuldades a serem encaradas. Hora de saber como 'gosta de comer os ovos'. Hora de voltar a ser pessoa, momento de deixar de ser a mulher invisível ou a mulher maravilha para ser SIMPLESMENTE MULHER.


TODA MULHER TEM DIREITO A SER (VISTA) COMO REALMENTE É.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Amar, verbo intransitivo




''João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.''



É com Drummond que começo o dia, pensando sobre os encontros e desencontros do amor e em como a expansão do que compreendemos por amor nos abre possibilidades.


Alyssa Jones, personagem criada por Kevin Smith, em Procura-se Amy explica que resolveu envolver-se com mulheres por que acredita que é tão difícil encontrar o amor, que eliminar 50% das possibilidades não lhe parecia lógico. Ainda assim ela se apaixona irremediavelmente por Holden McNeil, que é homem e tem um grande amigo e parceiro na confecção de HQs. Está estabelecido o triangulo de mil e uma possibilidades.


As novas gerações já encontraram essa chave de possibilidades reconhecendo que amamos seres e não a forma como tais seres se manifestam.Quero dizer: João ama Fernando, mas pode amar Suzana e isso não tem nada a ver com o fato de ser homem ou mulher, baixo ou alto, gordo ou magro, negro ou branco. É o sentimento de um ser por outro ser.


Hoje, já não se fala em homossexuais - palavra quase em desuso - mas em relação homoafetiva. E não bastasse, vive-se o amor que é livre inclusive do rótulo. João pode amar Teresa ou pode amar Fernando. Em tempos distintos de sua vida. O conjunto de atributos e ensinamentos de Teresa é importante para João hoje, mas amanhã ele talvez precise aprender por meio da relação a dois algo novo, a partir de outro conjunto de atributos que tenha Fernando.


Uoooooooopa! Afinal de contas tá virando safadeza?! Não, apenas manifestação livre de afeto sem culpa, apenas expressão de sentimentos. Não se deve confundir com defesa de promiscuidade, que diga-se de passagem, existe em abundância na tradicional família mineira, goiana, cearense, amazonense, paulista e assim por diante. O tema não é relação sexual, é relação afetiva. Que fique claro! A defesa é do amor, seja como for que ele se manifeste, livre de culpa, preconceito ou hipocrisia. Principalmente de hipocrisia.


TODA MULHER TEM DIREITO A AMAR INTRANSITIVAMENTE.


Respeite os direitos autorais. Se for citar, dê créditos.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O que é isso, companheiro?!





Nunca fui uma fã da indústria automobilística. Adoro andar a pé, gosto de transporte coletivo, embora tenha usado muito pouco ao longa da vida, e vivo repetindo - há pelo menos 6 anos - 'ainda vou adotar os pés como meio de transporte'. Se ainda não o fiz, foi porque em Brasília temos cabeça, tronco e rodas. Oro todos os dias para que o plano de integração de transporte coletivo do atual governador de fato dê certo, para finalmente tornar meu sonho realidade.


Numa cidade com poucas calçadas, nenhuma esquina e transporte coletivo excludente e, ainda ineficiente, ter carro não é luxo, é necessidade. É bom lembrar, sendo bem pragmática, que carros não são investimentos, nem ativos, são bens de consumo não durável, pelos quais pagamos ainda: impostos, seguro, manutenção, combustível, enfim. Feitos os cálculos, o meu, um veículo do tipo econômico - mais por convicção do que por falta de recursos - me sai cerca de R$13mil reais ao ano.


Há quem diga que é símbolo de status, embora no meu caso, amante das caminhadas e das bicicletas, esteja mais para sinônimo de liberdade numa cidade cheia de fronteiras. Carro é a liberdade de ir, vir, sair ou ficar a qualquer hora do dia ou da noite, de qualquer lugar para qualquer outro lugar. Eu comprei essa liberdade e não paguei pouco, porque a linha econômica de econômica só tem nome, mesmo com redução do IPI. De toda sorte, foi uma escolha e a liberdade de fazer escolhas me faz feliz.


Estava mesmo muito contente por ter finalmente trocado meu Renault Clio 2006, companheiro de viagens e aventuras, pelo novo Ford KA Flex. Apaixonara-me finalmente por ele, depois de conhecê-lo em casa de minha irmã. Ela, uma eterna entusiasta do veículo, nunca teve outro carro desde o seu primeiro automóvel. A compra foi feita a cerca de 60 dias, e junto estava uma amiga - outra apaixonada pelo Ka-rrinho - que aproveitou a redução do IPI e trocou o modelinho tradicional, por um Ka Tech. Recebemos até bouquet de flores na concessionária. Foi lindo!


O carro é feito para mulheres, gracioso, leve - mesmo sem direção hidráulica - compacto por fora, espaçoso por dentro. Enfim, uma graça. Dei um nome a ele: Simba, o carro ninja! Tudo nele lembra um felino; os faróis, a aerodinâmica. Era definitivo, caí de amores. O carro ainda por cima é flex, para quem mora em Brasília, e portanto, roda bastante, é uma grande vantagem.


Hoje cedo, preparei-me maravilhosa para o trabalho, eis que não consigo ligar o veículo. Imediatamente me veio à mente os primeiros veículos movidos à alcool. Lembram? Precisávamos ficar hoooras esquentando o motor pela manhã. Pois não é que deu problema no meu Ka novinho?! Respirei fundo, abri o porta luvas, busquei no manual soluções - em geral eles servem para isso - encontrei um número de atendimento e, feliz, soube que havia uma assistência 24h da Ford. 'Que bom!' - pensei - 'a troca valeu a pena', pois a Renault tinha ótima assistência.


Sendo o carro tão novo, optei por acioná-los a contatar meu 'Seguro Auto Mulher', que certamente me trataria como uma princesa inglesa. Fui muito bem atendida, informaram-me que o guincho já estava a caminho, escolhi a concessionária autorizada de minha confiança para efetuar o eventual reparo. Tudo certo, até o momento em que solicitei um táxi para me levar ao trabalho. Aquela altura, já eram 10h da manhã. Alguém tem a cara de pau de chegar às 10h da manhã no trabalho em plena quarta-feira? Pois é. Começou a epopéia.


'Senhora, no serviço de assistência 24h não está incluído o táxi, já que a senhora está em sua residência. Caso a senhora estivesse no meio do caminho, poderíamos acionar'. Atônita, exclamei, 'mas preciso ir ao trabalho!' Paguei caro pelo carro para não ter de usar taxi, ônibus, metrô e, principalmente, chegar aos meus compromissos no horário. 'Senhora, por gentileza, ligue novamente para o 0800 e faça as escolhas 3 e 5. Lá eles poderão ajudá-la.


'????'


A moça era gentil, fiz como me orientou enquanto aguardava o guincho. Sim, por que sou uma mulher que acorda de bom humor. No outro atendimento, pelo qual esperei vários minutos, informaram-me o mesmo que ela, que como eu estava em casa, não havia previsão de me fornecerem um transporte para o trabalho. Registrei a reclamação e fiquei pensando: 'Que (&*(&¨¨%$$#@%¨*&¨* de liberdade é essa? Pago caro por um carro zero km, para ter a liberdade de ir e vir quando quiser de onde para onde quiser e não ter de pagar táxi, com menos de 60 dias de comprado o veículo, ele falha, e eu, que paguei pelo conforto tenho de pagar novamente para poder ir de casa para o trabalho por que o Ka-rro zero km não funciona!


Durma-se com um barulho desses! Escreverei em letras grandes para que todos entendam como me sinto: A ASSISTÊNCIA DA FORD NÃO ASSISTE ADEQUADAMENTE SEUS CLIENTES.

E... TODA MULHER TEM DIREITO A TER SEU DIREITO DE IR, VIR, SAIR OU PERMANECER RESPEITADO, ESPECIALMENTE SE PAGA POR ELES.



Respeite os direitos autorais. Se for citar - e gostaria que citasse e distribuísse - dê crédito a autora, que não tem medo de ''colocar o bode na sala da Ford''.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Eu namoro, Tu Namoras?

Pomerade: Marc Chagall

''Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil''. (Artur da Távola)



E não é que ele está certo? A quem jure que tem o que comemorar hoje, que encontrou namorado/a, que não estará sozinha ou sozinho esse ano só porque tem alguém para apresentar aos amigos ou quem sabe para duas vezes por semana tirar o atraso. A quem pense que ser uma dupla é namorar, imagina só que ilusão! É certo que vivemos na eterna ditadura dos pares, como já escrevi certa feita. Hoje, inspirada por Artur da Távola, namoro e suas qualidades é o tema.




Há quem pense que tem namorado só porque pode apresentar às amigas alguém. Há, veja que coisa, os que comemoram tal situação. Enquanto do outro lado da cidade, ou mesmo no apartamento vizinho, alguém se entristece porque está só nesta data. Mas há as que saem para comemorar a solteirice, sou dessas - confesso rasgadamente - embora este ano vá comemorar intensamente grata pelo companheiro ao meu lado.




Namoro é estar ao lado, porque acredito que não temos namorado, namoramos com. Com alguém que passeia de mãos dadas num feriado ensolarado pelas ruas da cidade sem destino certo ou para comprar cenouras. Com alguém que segura a mão num momento de fortes mudanças profissionais, no meio de uma noite de insônia. Com alguém que avisa da partida e da chegada quando viaja.




Namorar com alguém é compartilhar o filme cabeça ou a comédia rasgada, viver o silêncio ou dar ouvidos à profunda e incontrolável vontade de falar da parceira, atentamente, por favor. Com alguém se vai a restaurantes ou se pede a pizza da esquina (se na sua cidade tem esquina). Com alguém dividimos o medo, explodimos de paixão, às vezes damos um simples abraço aconchegante. Compartilhamos a vida intensamente, a cada momento, dia-a-dia.




Com alguém damos valor àquilo que é importante para o outro, sem contudo abrirmos mão de quem somos. Namora quem presta atenção naquilo que importa ao outro, dá ouvidos, abre os olhos, estende o braço e abre a mão para sustentar o sonho cor de rosa e jasmim, como Chagall na obra que ilustra este texto. Namoramos quando vamos para a cozinha juntos, tomar vinho e jogar conversa fora enquanto ela - ou ele - prepara algo com carinho super especial.




Namora quem olha nos olhos sem medo, quem come um pote de sorvete Alpino sem culpa, ao lado, disputando cada colherada, fugindo descaradamente da dieta necessária. Quem se aceita e aceita o outro como é - pacote completo - valorizando exatamente quem se é, e não apenas as partes ditas boas.




Namorar é, entre outras coisas ditas e não ditas, viver a cada dia o afeto acolhedor do abraço, o compartilhar do silêncio, a aceitação das diferenças, o delicado respeito à individualidade.




Eu namoro! Tu namoras? Se não namoras, neste dia 12 vá comemorar com os amigos, porque estes são para sempre! Se não há amigos por perto, então, prepare um lindo jantar para si mesma, tome um banho de espuma, à luz de velas, ao som de new age. Abra uma espumante maravilhosa, veja um filme divertido e comemore sua melhor companhia: você!






TODA MULHER TEM DIREITO A NAMORO, A AMIGOS E A BRINDAR A SI MESMA!




Respeite os direitos autorais. Se for citar, dê créditos.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Vamos voltar para o agora! Já!




Terminei o penúltimo post dizendo: Só o agora existe. Eis a prova inequívoca.

Para os passageiros do vôo 447 da Air France, desaparecido na rota Rio-Paris, acabou a existência material, tal qual a maior parte de nós concebe. Não há curso no exterior por dois anos, não há reunião de negócios na sede da empresa. Não há comemoração de aniversário ou volta para casa depois das férias.

O minuto seguinte não existiu. Só este instante em que escrevo existe. A vida que eles e elas levaram ficou na lembrança dos que aqui permanecem e virou legado dessa existência, para os que acreditam na vida após a morte.

Os planos e sonhos com os quais embarcaram, desapareceram, assim como seus corpos materiais.


TODA MULHER TEM DIREITO A VIVER AGORA!

Respeite os direitos autorais. Se for citar, dê crédito.

A Linguagem




''A linguagem não é apenas um luxo intelectual, mas uma parte essencial na luta pela libertação das mulheres''. (Mary Daly - 1984 e Julia Kristeva - 1980)




Dia desses ouvi de um amigo o seguinte comentário: ' pô, não só as mulheres têm direito de expressar seus desejos, porque não 'Todo Ser Humano tem o direito a...'? Concordo integralmente com o comentário.No entanto, quando decidi escrever o Blog da Maria não tinha, como de fato, talvez ainda não tenha, clareza sobre a linha que seguiria, mas tinha um norte: Visibilizar os direitos mais sutis, tantas vezes vilipendiados, esquecidos, sufocados pela sociedade, pela cultura e pelos contemporâneos dias corridos em que apenas sobrevivemos.


Ao clamar que TODA MULHER TEM DIREITO... digo sim, que todos os seres humanos têm direitos e rio sozinha do efeito que isso causa cada vez que um homem lê tais textos. Em nossa sociedade o uso da palavra articulada ou escrita como meio de comunicação supõe o masculino genérico para expressarmos idéias, pensamentos, sentimentos e referências a outras pessoas. A linguagem, contudo, como sistema de significação, nunca é neutra, expressa sua cultura e é permeada pelas relações sociais de um determinado momento histórico(Scott, 1990)*. Por isso, esta Maria em sua linguagem acena ininterruptamente com uma idéia.


É de notar que desde a década de 60 começou a ser constatado que a linguagem nas sociedades ocidentais, por ser um sistema simbólico profundamente arraigado em estruturas sociais patriarcais, não só refletia mas também enfatizava a supremacia masculina. Devem estar pensando, 'eita, lá vem o exagero dos discursos feministas'. Calma, não se afobem, mas vamos acompanhar a experiência que vivi a poucos minutos.


Lia eu, feliz, matéria competente e sensível publicada por Época desta semana, a respeito do nascimento da 'primeira nova família brasileira'. Inscrita na seção Sociedade/Justiça e assinada por Eliane Brum, a reportagem trazia a público o caso de Michele Kamers e Carla Cumiotto. Elas pediam o direito de registrarem no nome das duas seu filho e sua filha, gêmeos. O juiz Cairo Roberto Rodrigues Madruga, da 8ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre, corajosamente decidiu pela coincidência entre direito e justiça, concedendo a elas e às crianças o direito ao reconhecimento legal da família constituída. Percebam os versados em direito que não falei em entidade familiar, eu disse: fa-mí-lia, embora este seja tema para outro texto


A matéria recheada de todo o histórico do casal, das emoções da gestação e do parto, a escolha de nomes, de escola faz uma belíssima apuração do fato. Com sensibilidade e competência coloca diante de nós, homens e mulheres, a importância da família na sociedade, tempos em que o modelo familiar ainda é questionado (e muito). Mostra a relação entre duas pessoas baseada em amor, em decisões partilhadas, em respeito mútuo, independente da orientação sexual do casal. Por fim, traz luz sobre - mais importante - o respeito às diferenças e o exercício cidadão deste direito. Recomendo a leitura da matéria.


No entanto, não por culpa de Eliane Brum, o sistema patriarcal em que fomos criad@s e educad@s invisibiliza a mulher em algumas passagens do texto, chegando a saltar aos olhos em dado momento. A jornalista já no preâmbulo da matéria ao se referir a Joaquim Amândio e Maria Clara diz:
'seus filhos gêmeos',

 o uso genérico, neste caso, mostra a invisibilidade da menina. Em nossa sociedade, lamentavelmente, o sexo masculino ainda é o prioritário. Por que temos de ser chamadas de ele nas formas genéricas? pergunta Carmem Caldas-Coulthard, em seu artigo Caro Colega: exclusão linguística e invisibilidade (2007).


Infelizmente não pára por aí. Quando chegava ao final da matéria, entusiasmada e ainda emocionada com a avançada decisão do juiz e com a corajosa demonstração de cidadania de Michele e Carla ao divulgar sua história, deparei-me com a reafirmação máxima da cultura patriarcal em que ainda hoje estamos mergulhadas, em parágrafo que reproduzirei na íntegra.

A história de Joaquim Amândio e Maria Clara está documentada desde o primeiro Kamers e o primeiro Cumiotto que chegaram ao Brasil. Os retratos antigos dividem as paredes da casa com as fotografias que contam o romance de seus pais (grifo nosso) e seus dois primeiros anos de vida.



Por que o genérico de pai e mãe é pais? Pior, porque o genérico de mãe e mãe (ou pami como quis ser chamada Michele) é pais? Neste caso, não apenas uma mulher foi invisibilizada, mas duas, numa única palavrinha de quatro letras. O lugar do escritor, do crítico, do pensador e do pai está aí para definir o lugar do sujeito que fala em nome da cultura, da cidadania e da hegemonia (Schimidt, 2009). Essas mulheres são sujeito(?) de sua história, protagonistas de uma revolução silenciosa quem vem acontecendo no Brasil, e por uma palavra foram invisibilizadas.


O patriarcado está aí, caríssima Eliane Brum, enraizado em você como na maioria absoluta de nós, mulheres e homens. Talvez seja a razão pela qual, apesar de termos cerca de 81% de mulheres nas principais redações brasileiras, ainda vimos reproduzindo e enfatizando inconscientemente o modelo aprendido na família, na escola, na sociedade em que vivemos: Nossa cultura. Algumas de nós chega a achar chato tocar no assunto. Vale a pena pensar sobre:


TODA MULHER TEM DIREITO A SER VISÍVEL, INCLUSIVE NA LINGUAGEM.


Respeite os direitos autorais. Se for citar, dê crédito.