Caio,
Ontem à noite resolvi sair sem direção para refrescar as idéias. Faz um enorme calor por aqui. Enquanto passava pelas ruas, dei-me conta de como essa cidade é viva. Já passava das dez da noite e as pessoas passeavam como se fosse o entardecer.
Vi um homem comendo pipoca embaixo de uma árvore a pensar na vida. Outro palitava os dentes despreocupado. Havia negros, brancos, mestiços. Uma mulher conduzia seu bebê num carrinho. Muita vida na cidade, fiquei extasiada.
Não costumo sair à noite. Desde que cheguei aqui, evito. Muito porque fui advertida sobre os perigos de transitar à noite pelas ruas, muito porque sou diurna, você bem sabe. Ontem, ao percorrer as ruas da cidade, sentindo o ar morno na pele, vendo todas aquelas pessoas despreocupadas aproveitando as horas, percebi quão falaciosa poderia ser a advertência.
Vi meninotas brincando nas calçadas, tomando coletivos. Vi casais de namorados, vi gente passeando nas areias da praia. Vi a vida da cidade pela primeira vez em meses. Percebi que não estava vivendo o lugar, que estava reclusa, completamente cooptada pelas questões políticas, descolada das pequenas coisas do dia-a-dia da vila.
Meu querido, como foi bom sentir-me parte desse lugar pela primeira vez. Quis que estivesses aqui para juntos observarmos os passantes, adivinhando-lhes a história. Lembrei-me da última vez que viestes me visitar e até de nossa divergência com alguma saudade.
Sim, as saudades são imensas. Porém, agora deixo-te, domingo é dia de feira e sabes como gosto de passear entre os gritos dos feirantes agitados nas manhãs de domingo.
Sua,
A.L.
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