sexta-feira, 19 de março de 2010

Carta de Anita Lopes a Caio Marques

Caio,

Surpreende-me só agora você romper o silêncio sobre minha partida. Durante aquele período eu me trancava em pensamentos confusos, tentava adivinhar as lacunas e as ausências deixadas por você. Eu queria lê-lo dizer do sentimento que nos unia, ao mesmo tempo que temia o toque. Hoje, sinto que talvez, só talvez suas reflexões façam sentido.

Das suas faço minhas as perguntas ' será que nos amamos?' ou 'será que amamos a possibilidade de nos amarmos?'' ou ainda ''é possível que sejamos Pessoa e estejamos fingindo um amor que deveras sentimos?''
Perguntas sem resposta. Certo é, até que perceba o contrário, que sinto sua falta. Nossos passeios à tarde, mãos dadas, risos, a simplicidade de nossas conversas rasas ou profundas.

Dessas lembranças emerge uma outra pergunta que deixo para sua reflexão: Será que esse amor teria de se traduzir exclusivamente numa relação que envolvesse a fusão de corpos? Não nos seria suficiente e importante apenas fundir as almas e separá-las para irmos aprendendo o amor um com o outro? Porque todo amor tem de ser sexualizado?

Por outro lado, porque a união de corpos nos mete numa rede de expectativas? Serão os mandatos culturais e sociais que nos são impostos desde o nascimento?

Agora sim, eu sinto que te amo! Amo sua forma de expressão, suas idéias, as interrogações que você coloca em meu caminho e que me atribulam a alma. Em especial me encanta toda sua confusão, embora por vezes me irrite com sua resistência a olhar-se de fora. Seu caminho é confuso, é certo, mas é o seu caminho. Seu medo de olhar-se me atrai e me afasta, mas gosto do desafio de não entender nada e ao mesmo tempo ter tudo tão claro. Adoro as horas que passo com você, seja nos passeios que fizéramos, seja agora dedicando-me integralmente a estar contigo por meio das palavras.

Creia, nossos laços são indestrutíveis, porque o afeto e o respeito que construímos tem bases tão sólidas que nada e ninguém pode desfazê-los. E isso me parece muito real.Não é fruto de uma fantasia infantil que idealiza o outro. Nos conhecemos, conhecemos cada canto de nossas almas, cada insegurança, cada dúvida e, em especial a imensa capacidade que temos de criar dúvidas, fazer surgir perguntas sem resposta - talvez nossa melhor qualidade - não há espaço entre nós para idealizações. E isso já é alicerce suficiente para uma relação duradoura e sólida.

Qualquer hora me daria muito prazer recebê-lo em minha nova casa, mesmo que isso signifique enfrentar a boataria, o falatório, os olhares curiosos. Não temo o olhar do outro sobre mim, embora certas vezes me aborreça.

Venha! Venha breve!

Sua sempre,

A.L.

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