...de repente dei-me conta do barulho fora de mim. e do silêncio dentro. senti a fronteira tão nítida, tão despropositadamente perceptível. senti-me apartada do mundo. o barulho e eu. como se pudesse diminuir o volume da vida lá fora e deixar-me seduzir pelo silêncio cerrado cá dentro. como diferençar o silêncio surdo do ruidoso tilintar de talheres, bater de bocas, buzinas, música e portas fechando e abrindo? não sei. sei e sinto-me [nessas horas] alienígena no mundo de sons. o silêncio faz sentido, os sons me confundem as idéias. é como um daqueles filmes de Wenders em que os pensamentos dos passantes estão em mode-on. aquelas vozes, tantas vozes, a rua e seus sons tudo ao mesmo tempo fora de mim. mode-on. e basta girar o botão do volume ou mesmo ajustar a estação para conseguir voltar ao espaço de silêncio, tão hermeticamente fechado, tão asséptico e seguro. tão inodoro. vem a dúvida: será que apenas para mim o barulho do mundo é tão presente? de outro lado, seria o espaço de silêncio um flagrante de hiperfoco ou a confissão de deficiência de atenção?
...de repente o silêncio e os sons estão aqui. fazem parte deste momento de escrita. sinto e ouço os dedos ansiosos sobre o teclado, ao mesmo tempo que alguém na sala ao lado fala ao telefone, um pássaro passa com seu canto, os carros rasgam a avenida molhada de chuva, alguém com pressa buzina, o ônibus na parada acelera para sair, a reunião na outra sala continua e os dedos ainda tamborilam sôfregos sobre o teclado. não há limite para a conversa, nem para os carros cortando o asfalto, não há pausa sequer nos dedos teimosos que insistem em tocar rápidos as teclas. tentativa inócua de concluir o raciocínio que iniciei ainda ontem sobre coisas do direito e o direito das coisas. o volume das vozes no corredor se eleva, o burburinho na sala ao lado segue, há quem grite embaixo do prédio sinalizando a chegada [ou a partida], enquanto ônibus e carros cortam o asfalto encharcado pela chuva. buzinas, mais buzinas. arremesso a goma de mascar no cesto de lixo. o som das próprias mandíbulas mascando já estava a enlouquecer as idéias. não é falta do que fazer, é falta de sentido. nesse momento não consigo encontrar o espaço de silêncio e longe dele não há sentido e dentro dele não há.
olho para o texto e imagino um buraco no meio, como se eu pudesse entrar pela fenda no texto, num espaço-tempo aleatório e cortar [bem no meio]. e dobrar e produzir outros sentidos e outros sentimentos. fazer as palavras e seus significados se resignificarem pelo recorte e pelas dobraduras. isso faz sentido. brincar com o texto e seus supostos significados estéticos, materiais e sensoriais faz sentido. outros usos do tempo podem não fazer tanto sentido. dizer o direito [não] faz sentido, não para mim, não assim. escrever essas quantas linhas para reafirmar entendimento pacificado em tribunais superiores e na corte maior, em parágrafos sucessivos, reafirmando e reiterando não faz sentido. o leitor já entendeu na primeira linha transposta. mas há que reafirmar e reafirmar. e não vejo sentido. e o mais importante, não sinto sentido. não há poética ou ética em repetir a menos que seja um refrão. e se for refrão não é parecer, é música. ou não é?
uma moto acelerou lá fora e alguém muito irritado insiste em buzinar. outro arrastou uma cadeira, o som dos saltos altos salta aos ouvidos no corredor. todos os sons. tantos sons. e eu, incapaz de concluir o repeteco-tereco-teco. estranhos sentidos. estranhas entranhas. sons. silêncios. letras e os meus dedos ainda produzem ruídos enquanto escrevo esse tanto sem fim.
...de repente o silêncio e os sons estão aqui. fazem parte deste momento de escrita. sinto e ouço os dedos ansiosos sobre o teclado, ao mesmo tempo que alguém na sala ao lado fala ao telefone, um pássaro passa com seu canto, os carros rasgam a avenida molhada de chuva, alguém com pressa buzina, o ônibus na parada acelera para sair, a reunião na outra sala continua e os dedos ainda tamborilam sôfregos sobre o teclado. não há limite para a conversa, nem para os carros cortando o asfalto, não há pausa sequer nos dedos teimosos que insistem em tocar rápidos as teclas. tentativa inócua de concluir o raciocínio que iniciei ainda ontem sobre coisas do direito e o direito das coisas. o volume das vozes no corredor se eleva, o burburinho na sala ao lado segue, há quem grite embaixo do prédio sinalizando a chegada [ou a partida], enquanto ônibus e carros cortam o asfalto encharcado pela chuva. buzinas, mais buzinas. arremesso a goma de mascar no cesto de lixo. o som das próprias mandíbulas mascando já estava a enlouquecer as idéias. não é falta do que fazer, é falta de sentido. nesse momento não consigo encontrar o espaço de silêncio e longe dele não há sentido e dentro dele não há.
olho para o texto e imagino um buraco no meio, como se eu pudesse entrar pela fenda no texto, num espaço-tempo aleatório e cortar [bem no meio]. e dobrar e produzir outros sentidos e outros sentimentos. fazer as palavras e seus significados se resignificarem pelo recorte e pelas dobraduras. isso faz sentido. brincar com o texto e seus supostos significados estéticos, materiais e sensoriais faz sentido. outros usos do tempo podem não fazer tanto sentido. dizer o direito [não] faz sentido, não para mim, não assim. escrever essas quantas linhas para reafirmar entendimento pacificado em tribunais superiores e na corte maior, em parágrafos sucessivos, reafirmando e reiterando não faz sentido. o leitor já entendeu na primeira linha transposta. mas há que reafirmar e reafirmar. e não vejo sentido. e o mais importante, não sinto sentido. não há poética ou ética em repetir a menos que seja um refrão. e se for refrão não é parecer, é música. ou não é?
uma moto acelerou lá fora e alguém muito irritado insiste em buzinar. outro arrastou uma cadeira, o som dos saltos altos salta aos ouvidos no corredor. todos os sons. tantos sons. e eu, incapaz de concluir o repeteco-tereco-teco. estranhos sentidos. estranhas entranhas. sons. silêncios. letras e os meus dedos ainda produzem ruídos enquanto escrevo esse tanto sem fim.
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