segunda-feira, 9 de julho de 2012

Nós Não Nascemos Mães, Nos Tornamos Mães Todos os Dias - Ou Não!

Há quase 20 anos nascia mia bella. Aquela criaturinha pequena e frágil mudaria minha vida para sempre. Já houvera mudado muitas coisas desde a notícia de sua chegada, mas nenhuma mudança tão avassaladora quanto as que se seguiriam aos seus primeiros gestos.

Depois de longa e ansiosa espera, recheada de percalços, ela finalmente chegara. Trouxera na bagagem muitas novidades. Ser mãe, afinal, não é natural como se pensa. Como lidar com um serzinho pequenino e delicado diante de uma banheira de água morna: 'e se cair?', 'e se engolir água?','e se afogar?', 'o que significa seu choro?', 'porque não consegue dormir?', 'porque não acordou ainda?'. Estas e outras perguntas assombram os dias e as noites também e por melhor que sejam os manuais para 'mães de primeira viagem', em geral, não conseguem suprir todas as dúvida e medos que nos invadem. Eu tinha medo de machucá-la, de não conseguir alimentá-la, de deixá-la dormir demais ou de menos... ainda tenho tantas dúvidas.


Seu sorriso doce e meigo, seus olhinhos, pezinhos, todo o seu ser foi tocando meu coração de um modo que não há palavras que possam explicar. Sua delicadeza e fragilidade, as inúmeras noites mal-dormidas me ensinaram o que é amor. Aquele serzinho miúdo me ensinou a amar, nas primeiras horas comigo. Incomparáveis lições aprendi com ela e sigo aprendendo.



Mas nada se compara ao meu primeiro desespero a seu lado. Sim, ela chorava, chorava, chorava. Havia pelo menos seis horas que chorava. Eu dava o peito, e nada. Dava chupeta, e nada. Balançava, cantava, passeava: nada! Não era fralda molhada, não era fome, não era sono, não era frio, tampouco era calor. Não era barulho, não tinha idéia do que poderia ser. Depois de seis horas de tentativas infrutíveras de fazê-la parar de sofrer e chorar, caí no choro. Chorei copiosamente junto com ela, já não sabia mais o que fazer. Adormecemos juntas, exaustas de um dia inteiro de lágrimas. Nosso primeiro grande momento juntas - na alegria e na tristeza se havia concretizado.


Depois disso, muitas vezes dormimos - à tarde - só nós duas. Nunca antes da música do lobo (...vamos passear no bosque, enquanto seu lobo não vem...). Dormíamos felizes, abraçadas, bem juntinhas. Aquele cheiro gostoso de bebêzinho, aquele carinho inesquecível. Sempre foi uma menina independente, não gostava que lhe apertasse, lhe desse muitos beijos ou mimos. Esperta, inteligente e vivaz, adorava jogos e quebra-cabeças. Observadora ao extremo, olhava atentamente tudo em volta. Era linda - como de fato ainda é.


Veio então novo susto,  uma infecção urinária a fez parecer uma a fome na África. Era pele e osso, minha menina. Foram dias no hospital sem ver a luz do sol, ao lado dela e o coração apertado - pela primeira vez tive medo de perdê-la. Os nervos: à flor da pele. Pressão de todos os lados. A responsabilidade é sempre da mãe. Sobrevivemos juntas a mais aquele desafio.


Fomos muitas vezes à praia. Criança pequena cega a gente [diz a sabedoria popular], desde sempre independente, numa dessas sumiu em meio à multidão do domingo de sol. Pela segunda vez temi - em uma fração de segundos - tê-la perdido. Que nada! Estava no chuveiro arremessando as gotas d'água que caíam em suas mãozinhas infantis.


...E crescia a garota. Foi ela, quem afirmou - categórica - que 'a irmãzinha' dentro da minha barriga era 'o Pedrinho!'. No final, estava mais certa que a ecografia. Nasceu então seu irmão. De repente, diante do bêbe recém-nascido, ela pareceu enorme. Covardia com a pequena, ainda tinha dois anos. Eis a primeira decepção: não percebi prontamente que ela ainda era um bêbezinho. Tempos depois me dei conta, talvez a tivesse magoado pela primeira vez. Era o que dava conta, naquele momento, estava aprendendo a ser mãe. A maternidade, venho descobrindo, é um aprendizado diário.


Foi crescendo a garotinha, mudamos de cidade e descobri - preocupada - que ela verbalizava  sentimentos. Eu a ouvi falando com o patinho de borracha do medo que sentia na nova escola, com os novos amigos [foi lindo e aterrador - fizera a coisa certa?!]. Liguei imediatamente para a dona da antiga escola (Casa da Tia Léa), em quem tinha plena confiança. Horas no telefone sendo carinhosamente ouvida e respeitosamente aconselhada. Aprendi que era muito bom que ela externasse seus sentimentos. Respirei aliviada.


Voltar a trabalhar é um desafio dos tempos modermos, mas quase cinco anos fora do mercado, retomei a trajetória profissional.  Alguns daqueles anos, estive ausente de mim mesma, a maior parte deles, eu diria. Passei a ser ausente dela, tão ausente que não havia mãe no desenho da família. Pela terceira vez chorei, senti-me culpada e triste por não mais fazer parte de seu universo. O trabalho consumia minhas horas e ocupava espaços que não lhe pertenciam, ao mesmo tempo, me fazia [re]constituir como sujeito pleno. Difícil tarefa do ser: Mulher, Mãe, Trabalhadora!


...Mas fomos nos perdendo lentamente uma da outra a partir de então, mas não esqueci nossos momentos lindos, nossos momentos doces. Houve quem dissesse que eles nunca existiram. Mentira! Eles não só existiram, como foram os mais significativos de minha vida, por isso hoje luto para resgatar a poesia que ela me ensinou a entoar com sua chegada angelical. Por ela (eles) busco incessante o caminho de volta para casa, a estrada que leva ao meu coração, o mesmo que acolheu o amor que ela me ensina todos os dias. Nos encontramos agora, em marcha pela igualdade, o respeito às diferenças, a solidariedade, o amor e a liberdade de ser, expressar afetos e desejos.

Amo minha filha, amo meu filho, exatamente como são  e tenho muito orgulho deles.  



5 comentários:

  1. MInha cara amiga distante (não ausente)...

    É sempre gratificante ler seus escritos. Há muita alma e entrega nas suas partilhas e isso faz toda a diferença nesses tempos de tanta superficialidade.

    Um carinho abraço.
    Lux, pax e bonum. Sempre.

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    1. Obrigada, querido amigo Joelmir. Você sempre doce. Fraterno abraço.

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  2. Além de se ser um lindo transbordar em forma de relado, achei tocante e repleto de sensibilidade e bom senso...

    Ótima semana para você, Maria!

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  3. Assim que a conheci senti de cara uma profunda admiração, por vezes me perguntei se era racional tanta admiração por alguém que eu pouco ou de fato não "conhecia"... Mas cada vez que eu te leio aqui e em outros lugares a admiração se alastra ainda mais. Digo e repito é impossível passar por você na vida sem percebê-la, sem cair no seu “canto”. Costumava me dizer que sorte tem os filhos dela, que sorte é ter na vida uma mãe assim, em razão de tudo que já li e que me fizeram saber um pouco sobre você, do seu jeito, de todo seu empenho e suas lutas em favor dos direitos... Dizem por ai que filho de peixe, peixinho é... E que filhos são uma versão melhorada dos pais... Eu acredito nessas máximas! E imagino que muitas vezes você é quem diz: Que sorte a minha de ter os filhos que tenho, que sorte a minha de ser a mãe deles.

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