''Solidão
De manhã
Poeira tomando assento
Rajada de vento
Som de assombração
Coração
Sangrando toda palavra sã(...)''
(Djavan)
O que há de comum entre alguns relacionamentos e terrenos baldios? Não saberia dizer, até que num desses dias em que a tristeza abafa toda esperança, em que nuvens cobrem o Pão de Açúcar, me caiu nas mãos um texto cujo título é ''Guia de Terrenos Baldios de São Paulo''. Não poderei dar crédito ao autor, não posso sequer citar a publicação. Uma página, apenas esta página veio ter comigo a tal interatividade da leitura.
Não pude deixar de refletir sobre essa estranha relação entre alguns relacionamentos e os terrenos baldios. Dizia o autor, veja só, que os terrenos baldios estão entre os únicos lugares da cidade que não estão ligados à realização de um projeto, ainda que tenham proprietário e sua existência esteja relacionada a planos de urbanismo - passados ou futuros - estão ali, parados, ao sabor do vento e do tempo.
Alguns relacionamentos também, como os terrenos estão ao sabor do vento e do tempo. Não estão ligados a qualquer projeto, vivem dos escombros de projetos passados - quase sempre fracassados - avessos a projetos futuros - quase sempre assustadores. Neles não há nada, ainda assim podem ser lugares de possibilidades em que se vive a ilusão - ou não - de sentir-se livre.
O autor ainda diz, com propriedade quase filosófica, que os terrenos baldios são terrenos que ficaram sem sentido entre novas comunicações. Com os relacionamentos antigos é bem possível que seja assim, muito embora possa dizer de relacionamentos recentes que ficam sem sentido quando uma das partes se dá conta de que o relacionamento está calcado em espaços vazios, em buracos na alma.
Os relacionamentos baldios nem sempre são escondidos, aliás, acontece com frequencia que sejam populares. Transitem por toda parte esbanjando certa sintonia, mas na verdade são terrenos baldios, vazios de sonhos como todos os outros, reflexo da solidão a dois. Outros estão relacionados a conflitos ocultos, estão repletos de resíduos arqueológicos ligados a algum fracasso. São expressão de disputas de poder, em lugar de manifestação espontânea de afetos.
Em geral tais terrenos, digo , relacionamentos carecem de manutenção, neles se pode, como defende o autor do guia, observar processos de decadência, mistura e entropia que se escondem no resto da cidade. Quase todos os relacionamentos baldios são lugares sem proteção, que podem desaparecer. Quase tudo é possível, porque neles não há nada.
Podem desaparecer por meio de reorganizações quando se encontra um sentido para a área e um projeto floresce, embora só aconteça quando são limpos e cuidados, ervas daninhas arrancadas, teias de aranhas e peças arqueológicas minimamente catalogadas para que não assombrem as construções que porventura sejam feitas. Ou pela assunção de que são espaços selvagens, por meio da aceitação de que são - e querem continuar sendo - livres e vazios.
Maria Cláudia Cabral
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