sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Cotidiano

''Todo dia ela  faz tudo sempre igual, 
se levanta às seis horas da manhã...'' (Chico)



Subitamente me dei conta enquanto dirigia que todos os dias faço o mesmo caminho. Sempre a mesma rota. Pego o carro, saio da garagem, viro a esquerda, sigo por alguns metros, viro à direita para em seguida virar a esquerda e seguir em frente por três quadras. Passo por dois balões, paro em pelo menos duas das 6 faixas de pedestres do caminho, sigo até o semáforo, quando novamente viro à direita e deslizo até a tesourinha que leva à Catedral e, por consequencia, à Esplanada dos Ministérios. Dali desço, atravesso mais alguns semáforos, encontro a Praça dos Três Poderes, viro à esquerda, viro à direita para depois de mais três semáforos [eles estavam no projeto do Lúcio Costa?] finalmente entrar no estacionamento do trabalho. Não! Voltei ao volante e decidi que hoje seria diferente. 

Logo no segundo balão tomei outro rumo. Mudei a rota sem aviso prévio. Apenas fui lá e mudei: Pronto! E gostei...Vi mais árvores, pessoas caminhando, bicicletas passando, ônibus [nunca vejo]. Parei em outros semáforos, vi outras paisagens  e estava há menos de 200m do caminho corriqueiro. Mudei e não doeu. Senti a liberdade de escolher. 

E pensei sobre costumes, hábitos, sobre os mesmos caminhos, as mesmas escolhas, os mesmos pratos, a mesma feijoada às sextas-feiras e as mesmas piadas. Como tudo se repete todos os dias. Se repete ou repetimos? Vamos dar crédito a quem de direito. Nós repetimos. Eu, você e todxs nós. E foi isso que subitamente me dei conta: é tranquilo, previsível, seguro e corriqueiro. Basta ligar o automático e automaticamente nos automatizamos. E o cotidiano fica isso assim meio bege. 

Chato, e vai ficando mais chato. Até que um dia [ou não] acontece esse despertar e pluft!  E o velho caminho se acaba. E a repetição termina, ou pelo menos a rota é substituída por outra. E outras paisagens surgem, com ela novas oportunidades, outras pausas. Acabou-se aquele caminho, novo caminho se fez! 

Feliz 2013 a todxs! 


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Eu preciso lhe dizer... (trailer)



Com a participação das Mães pela Igualdade, documentário idealizado pelo psicólogo Ricardo de Paula e realizado pelo diretor Douro Moura.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Hoje vou de... Álvaro de Campos

meu heterônimo predileto de Pessoa. talvez, apenas talvez, minha parte no imenso latifúndio que é a obra do poeta.


A  PASSAGEM DAS HORAS



Sentir tudo de todas as maneiras,
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si-próprio pela plena liberalidade de espírito,
.

.
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Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo...
Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão porque elas se abrem,
E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas...
Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
Sem que haja uma lápide no cemitério para o irmão de tudo isto,
E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer coisa...
.

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Mas o facto é que sempre é outono no outono,
E o inverno vem depois fatalmente,
E há só um caminho para a vida, que é a vida...
Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos
Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais,
E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão
Nem haja para chorar tudo mais razão que senti-lo.
Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim
Todos os desprezados encostaram-se um momento ao meu ombro,
Atravessaram a rua, ao meu braço todos os velhos e os doentes,
E houve um segredo que me disseram todos os assassinos.
(Aquela cujo sorriso sugere a paz que eu não tenho,
.

.
.
Fui para a cama com todos os sentimentos,
Fui souteneur de todas as emoções,
Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
Troquei olhares com todos os motivos de agir,
Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
Febre imensa das horas!
Angústia da forja das emoções!
Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
A cadela a uivar de noite,
O tanque da quinta a passear à roda da minha insónia
O bosque como foi à tarde, quando lá passeamos, a rosa,
A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros,
Toda a raiva de não conter isto tudo, de não deter isto tudo,
.

.
.
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar lá para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, uma frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.
Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
Ferido na boca por morder coisas,
Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.

[1916] 


                                                 b

Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

[posterior a 1917]


□ espaço deixado em branco pelo autor
[.] palavra ilegível


In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
Álvaro de Campos
A




























http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=2241

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Velho e o Mar

Atraída por Hemingway desci até O Velho e o Mar, o restaurante, localizado na Rambla, às margens do Prata em Montevidéu. Talvez não seja necessário repetir que sou completamente apaixonada por essa cidade uruguaia.



Lembro-me bem dos sentimentos que tive quando atravessei a Rambla pela primeira vez. Havia entrado num túnel do tempo que me levara a memoráveis momentos, tornando aquele dia o primeiro de muitos em Montevidéu. Deixei a cidade muitas vezes, muitas vezes a encontrei, mas ela nunca saiu de mim.

O restaurante, ornado com referências a história contata por Hemingway, tem  atendimento simpático. Andrés, o jovem uruguaio que nos recebeu, solícito e gentil, fez-nos sentir em casa todo o tempo, cercando-nos de atenção. O dia ensolarado e o cuidado com o menu livre de glúten, para atender um pedido especial meu, além da vista maravilhosa do Prata fizeram da experiência um encontro com o prazer. 

Mas o ponto alto estava por chegar. Mexilhões a provençal abriram os trabalhos, fartos, saborosos e com sabor de desejos ocultos fez me acalorar o corpo e a alma com pensamentos nada confessáveis. Em seguida nos serviram um arroz com camarões, que saltavam da travessa, tão exibidos. Eu os comi quase de joelhos, derretendo-me à cada vez que o garfo penetrava minha boca úmida e o prazer tomou conta de mim. 

Foi um almoço orgástico, numa cidade que cada dia mais me convida a desvendar-lhe. 

Estando em Montevidéu, separe um tempo para viver essa experiência, de preferência numa tarde preguiçosa. Ali, nada merece correria.