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quinta-feira, 23 de junho de 2016

Hoje vou de... Wislawa Szymborska



in www.magnusmundi.com
Bato à porta da
– Sou eu, deixa-me entrar.
Quero penetrar no teu interior,
olhar ao redor,
prender-te como a respiração.
pedra.
– Sai – diz a pedra.
Sou hermeticamente fechada.
Mesmo quebradas em pedaços
vamos ficar hermeticamente fechadas.
Mesmo trituradas em grãos
não vamos deixar ninguém entrar.

Bato à porta da pedra.
– Sou eu, deixa-me entrar.
Venho por curiosidade pura.
A vida é a única ocasião para ela.
Pretendo passear pelo teu palácio,
e depois visitar a folha e a gota dӇgua.
Não tenho muito tempo para tanto.
Minha mortalidade deveria te comover.
– Sou de pedra – diz a pedra –
e sou obrigada a manter a seriedade.
Sai daqui.
Não tenho os músculos do riso.
Bato à porta da pedra.
– Sou eu, deixa-me entrar.
Ouvi dizer que em ti há grandes salas vazias,
nunca vistas, inutilmente lindas,
surdas, sem eco de passos de quem quer que seja.
Reconhece, tu mesma não sabes muito sobre isto.
– Salas grandes e vazias – diz a pedra –
mas nelas lugar não há.
Lindas, talvez, mas além do gosto
de teus pobres sentidos.
Podes me conhecer, mas me provar nunca.
Com toda a minha superfície me volto para ti,
mas com todo o meu interior te dou as costas.
Bato à porta da pedra.
– Sou eu, deixa-me entrar.
Não busco em ti um refúgio para a eternidade.
Não sou infeliz.
Não estou desabrigada.
Meu mundo é digno de retorno.
Vou entrar e sair com as mãos vazias.
E como prova de que realmente estive pre sente,
não vou mostrar nada além de palavras
às quais ninguém dará fé.
– Não vais entrar – diz a pedra –
Falta a ti o sentido da participação.
Nenhum sentido substitui o sentido da participação.
Mesmo a visão elevada até à clarividência
não serve para nada sem o sentido da participação.
Não vais entrar, tens apenas uma noção deste sentido,
apenas o seu germe, sua imagem.
Bato à porta da pedra.
– Sou eu, deixa-me entrar.
Não posso esperar dois mil séculos
para entrar debaixo do teu teto.
Se não crês em mim – diz a pedra –
Dirige-te à folha, ela te dirá o mesmo que eu,
e à gota d”água, que te dirá o mesmo que a folha.
Por fim pergunta aos fios de teu próprio cabelo.
Um riso se alarga em mim, um riso, um riso enorme,
que eu não sei rir.
Bato à porta da pedra.
– Sou eu, deixa-me entrar.
– Não tenho porta – diz a pedra.


terça-feira, 15 de março de 2016

Carta ao Despertar

Prezado M.

Ver-te, riso frouxo, é surpreender-me. Conhecia teu riso contido, protocolar, educado. Jamais o havia visto assim, liberto da [auto]imagem sisuda, entregue ao prazer e à risada leve. Ainda lembro da primeira vez que ouvi o som da tua voz. Foi antes, bem antes de ver teu rosto. O timbre me chamou à cena, apurei os ouvidos para ver de perto de que se tratava. Era viva inteligência, pensei à época. Não pude deixar de encontrar uma cadeira plástica e desconfortável, onde pudesse encostar. Queria beber aquelas palavras, ditas em voz ritmada. Queria saber-te, mesmo que burocraticamente. 

Vi-te ainda muitas vezes, sempre do outro lado da mesa, a maior parte em obsequioso silêncio, em profunda observação do entorno. Nunca te vi descontrolado e hoje, ao encontrar-te entre andares, percebo o controle a transbordar em camisas alvas e meticulosamente engomadas - nada fora do lugar. Mas no sonho, o riso era livre e havia mesmo um brilho novo no olhar. 

Confidenciei a Antônia o sonho. 'Adoro ver meu irmão rindo', ela disse. Imaginei que haverá momentos em que te desarmas e ri, como o inconsciente me revelou. Não sei porque viestes me visitar em sonho, há mais de ano e dia estou tão perto e mantemo-nos tão distantes. Sempre o fomos, bem sei. Entendo menos a medida que o desvelo, era um desses sonhos tão vívidos em que as cores e o cenário são claros e as sensações permanecem [e permanecem] mesmo depois de despertar. 

O Resgate dos Sonhos _ Chagall
É desses sonhos que geram uma necessidade incontrolável de registrar em letras. Sim, estou escrevendo esse sonho durante o expediente na repartição [adoro chamar de repartição, é tão vintage!] e imagino que tua habitual rigidez haveria de julgar inadmissível tal conduta. Que seja! Não sou mulher de condutas admissíveis, nunca fui realmente! E a esta altura da vida, nada há de domar meu ímpeto diante de tua súbita [e encantadora] aparição em meus sonhos. 

Creia, essa carta é só para dizer o que adormeceu nesses quase dez anos e que o sonho inesperadamente despertou: O curioso interesse por uma voz e várias ideias.

Volto ao trabalho, esvaziada das memórias inconscientes aguçadas pelo sonho, mas ainda repleta de sensações.

Cordialmente,

M.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Fragmentos [1]

hoje acordei
algo havia quebrado
o estilhaçar tomou todos os cantos
da casa
[não foi prato, nem vidraça]
Tal qual Travolta
deslizo o olhar da esquerda para a direita
vice versa e o contrário
Não sei precisar
o que quebrou [?]
mas sei!
algo partiu
[Fragmentos - Maria Cláudia Cabral - EM CONSTRUÇÃO]

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A Menina e o Gato - Poema


foto: Maria Cláudia Cabral

A Menina descobre o mundo
Infinito espaço da sala de estar

Vê o gato.
Encanta-se por seu movimento manso
Fica intrigada
Ansiosa por tocá-lo, assusta-se
Ao assustar-se, o afasta

O gato a olha,
intrigado
Vira-se e segue seu caminho.


A Menina enamorada diz:

''gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?''*




*Álvaro de Campos, Obra Poética de Fernando Pessoa

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Sobre Nós - os Nós


Di Cavalcanti. Mulher deitada e cachorro. 1954. Óleo sobre tela. Acervo Itaú.



Sobre o que significa relacionamento ou relacionar-se com os outros no novo século. Sobre como as pessoas têm visto seus pares. Sobre o espaço individual, sobre o sobrenatural... Sobre o olhar, sobre olhos que se tocam - essa indiscreta invasão.

Olhares.

Sobre pais e mães e filh@s e ti@s e sobrinh@s... Sobre maridos e esposas, sobre companheir@s e parceir@s, sobre amantes, amores, amigo@s. Sobre todos nós.

Os nós.

Sobre como o eu cresce e o tu diminui, sobre como os nós se agravam e gravam as relações com marcas inolvidáveis. Sobre afastamento e aproximação. Sobre como o meu é maior que o seu, que é maior que o nosso, que é muito maior que o dos outr@s, próximos ou distantes. Sobre o contrário.

Crianças.

Sobre como as tardes arrefecem diante das horas que passam, dando lugar à escuridão da noite - queiramos ou não. Sobre como ser diferente da massa pode causar burburinho.

Deus-nos-acuda!

Sobre o afeto, atenção e amizade. Sobre interesse, bajulação e carência e os grandes olhos dos moradores da Matrix. Sobre a ilusão da vida. Sobre perspectivas. Sobre borboletas que voam no jardim, sobre o paraíso e os sonhos. Sobre imaginar um mundo melhor e mais justo. Sobre um lugar onde não hajam lacunas no meio do caminho. Sobre reticências e páginas em branco. Sobre significados. Sobre ter o que dizer e o silêncio. Sobre sentimentos e sen-tidos.

Caminhos

Sobre o querer e o desejar. Sobre Schoppenhauer. Sobre Freud. Sobre Jung. Sobre Caetano.
Sobre razão e sensibilidade - Austen - sobre pensar e agir. Sobre o impulso e o pulso. Sobre a vida, a morte. Sobre escolhas.

Desígnios

Sobre perguntas silenciosas, sentimentos ocultos. Sobre sonhos, desejos, impulsos, caminhos. Sobre a liberdade.

Escolhas.

terça-feira, 28 de julho de 2015

A Menina e a loja de Cristais

Menina em casa de cristais: Encantada, olhos brilhando, sorriso esparramado no rosto. 

Quer tocar, quer sentir, quer vibrar, quer dançar...

See but don't touch!
Touch but don't feel!
Feel but don't fall in love!
Fall in love but don't ...

segunda-feira, 27 de julho de 2015

A Menina e o Pássaro



De súbito, um canto lindo. Era o cantar de um pássaro. A Menina apurou os ouvidos e com olhos ansiosos buscou a origem do som que a fazia sorrir.

Buscou sem sucesso encontrar o cantor de tão linda melodia no alto das árvores. Percorria cada galho e cada folha em busca dos sons que a encantavam. Seu coração dividira-se entre enamorado e aflito.

Uma urgência em encontrá-lo tomara conta dela até que... Lá estava ele! O mais belo pássaro que já vira. Correu como se pudesse tocá-lo, corria e sorria tomada por puro enlevo.

Chegou bem perto da árvore onde seu amado pássaro cantor aboletara-se. De perto era ainda mais lindo.

Ao apurar o olhar, a menina percebeu que o pequeno pássaro repetia e repetia gestos e sons. Olhos fixos, percebeu tratar-se não de um pássaro vivo, mas de um ciborgue forjado pássaro. Tinha belo canto, linda plumagem azul anil, belos olhos cinzentos. Possuía uma delicadeza ímpar!

Era um pássaro-andróide!  Não se conformou. Subiu esperta no flamboyant que o abrigava - pássaros não contam com a destreza de meninas - e rapidamente atingiu o galho em que se encontrava o falso cantor. Esticou suas mãos em direção a ele e o tomou de súbito. Era plástico!

Olhos arregalados de horror, a  menina, inconformada, apalpava o pássaro, virava-o de todos os lados enquanto seu canto se repetia e repetia e repetia. O que antes era encantador, agora era irritante aos ouvidos dela.

Rápida, ela começou a buscar uma forma de desligar aquela estúpida repetição do falso canto, do inautêntico pássaro. Quis entender o pássaro, abriu, separou as peças - o canto continuava - primeiro as maiores, depois as menores, dissecou cada peça. Desmontou as engrenagens. Queria entender o pássaro. Quanto mais abria as peças, mais clara ficava a  ilusão que vivera. Mas ela não se conformava. E a todo custo tentava entender o pássaro, com tão apaixonante canto, que a enganara.

Desceu da árvore com pedaços de pássaro, com peças e com engrenagens, com um coração de lata e um fio de tristeza tomou conta dela.

Sentou-se aos pés do flamboyant e, deixando os pedaços cair ao lado, chorou. Enquanto as lágrimas vertiam de seus olhos, outros pássaros voavam ao seu redor, outros cantos podiam ser ouvidos, mas ela não os podia perceber, ainda tentando entender o pássaro que não era, a história que não fora, a ilusão que vivera.

Assim, a menina aprendeu ilusão.

Entrou por uma porta, saiu pela outra... Quem puder, que conte outra!




Amar se aprende amando...




O ser encontra um outro 
acha a razão do Ser, já dividido. 
São dois em um, em dez, em mil: Amor, sublime selo 
que à vida imprime cor, graça e sentido. 

E sê-lo é Ser em si

Marc Chagall - Encontro de Almas

terça-feira, 21 de julho de 2015

Oceanos



Les 3 âges de la femme, par Gustav Klimt



O oceano em mim 
águas em curvas e fendas 
à meia luz, à luz do dia 
Ondas vem e vão, 
balanço suave [e intenso]
cresce [e desce]
sobre [e cresce]
os olhos revirados 
Sou sorriso 
...
 alegria e torpor

Voo longe...vou!





sexta-feira, 17 de julho de 2015

A Mulher Ferida



A dor
da ferida quente
da boca ardente 
que me parte ao meio.






A mulher ferida - Maria Cláudia Cabral


um meio amor
 que em parte ardente
numa boca quente
fere sem pudor




sexta-feira, 9 de maio de 2014

Raízes e Asas






As raízes se escondem 
Na profunda Terra escura
Enquanto as asas se exibem desavergonhadas

As raízes são de virgem
As asas são de leão.

Sou peixes com ascendente em escorpião

Nessa vida vim para bater asas e ganhar o mundo. 

Mas um dia...

Um dia Serei árvore. 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Poeminha Besta



Ao tempo em que desejo,
fujo
E deito e rolo e escapo
Me debruço sôfrega
Vomito
Cuspo
Choro
Rio e danço
Escrevo um rabisco
toco o céu da boca
Sinto
mergulho num infinito
Deito, me retorço
E canto
Exausta e plena
Fecho os olhos
E Suspiro.







terça-feira, 25 de março de 2014

Avalanche



fonte: http://www.worth1000.com




Coração batia oco
pulmões murchos
em costelas apertadas
Espanto!


Úmidas mãos frias
súbita garganta louca
arrasta caminhos
avalanche rouca


Explode 
densos raios, afrouxa
Intensa lua
Coloca-me livre
Suavemente nua
Diante da tua
[In]decisão precisa




quinta-feira, 6 de março de 2014

Silêncio e Sons

...de repente dei-me conta do barulho fora de mim. e do silêncio dentro. senti a fronteira tão nítida, tão despropositadamente perceptível. senti-me apartada do mundo. o barulho e eu. como se pudesse diminuir o volume da vida lá fora e deixar-me seduzir pelo silêncio cerrado cá dentro. como diferençar o silêncio surdo do ruidoso tilintar de talheres, bater de bocas, buzinas, música e portas fechando e abrindo? não sei. sei e sinto-me [nessas horas] alienígena no mundo de sons. o silêncio faz sentido, os sons me confundem as idéias. é como um daqueles filmes de Wenders em que os pensamentos dos passantes estão em mode-on. aquelas vozes, tantas vozes, a rua e seus sons tudo ao mesmo tempo fora de mim. mode-on. e basta girar o botão do volume ou mesmo ajustar a estação para conseguir voltar ao espaço de silêncio, tão hermeticamente fechado, tão asséptico e seguro. tão inodoro. vem a dúvida:  será que apenas para mim o barulho do mundo é tão presente?  de outro lado, seria o espaço de silêncio um flagrante de hiperfoco ou a confissão de deficiência de atenção?
...de repente  o silêncio e os sons estão aqui. fazem parte deste momento de escrita. sinto e ouço os dedos ansiosos sobre o teclado, ao mesmo tempo que alguém na sala ao lado fala ao telefone, um pássaro passa com seu canto, os carros rasgam a avenida molhada de chuva, alguém com pressa buzina, o ônibus na parada acelera para sair, a reunião na outra sala continua e os dedos ainda tamborilam sôfregos sobre o teclado. não há limite para a conversa, nem para os carros cortando o asfalto, não há pausa sequer nos dedos teimosos que insistem em tocar rápidos as teclas. tentativa inócua de concluir o raciocínio que iniciei ainda ontem sobre coisas do direito e o direito das coisas. o volume das vozes no corredor se eleva, o burburinho na sala ao lado segue, há quem grite embaixo do prédio sinalizando a chegada [ou a partida], enquanto ônibus e carros cortam o asfalto encharcado pela chuva. buzinas, mais buzinas. arremesso a goma de mascar no cesto de lixo. o som das próprias mandíbulas mascando já estava a enlouquecer as idéias. não é falta do que fazer, é falta de sentido. nesse momento não consigo encontrar o espaço de silêncio e longe dele não há sentido e dentro dele não há.
olho para o texto e imagino um buraco no meio, como se eu pudesse entrar pela fenda no texto, num espaço-tempo aleatório e cortar [bem no meio]. e dobrar e produzir outros sentidos e outros sentimentos. fazer as palavras e seus significados se resignificarem pelo recorte e pelas dobraduras. isso faz sentido. brincar com o texto e seus supostos significados estéticos, materiais e sensoriais faz sentido. outros usos do tempo podem não fazer tanto sentido. dizer o direito [não] faz sentido, não para mim, não assim. escrever essas quantas linhas para reafirmar entendimento pacificado em tribunais superiores e na corte maior, em parágrafos sucessivos, reafirmando e reiterando não faz sentido. o leitor já entendeu na primeira linha transposta. mas há que reafirmar e reafirmar. e não vejo sentido. e o mais importante, não sinto sentido. não há poética ou ética em repetir a menos que seja um refrão. e se for refrão não é parecer, é música. ou não é?
uma moto acelerou lá fora e alguém muito irritado insiste em buzinar. outro arrastou uma cadeira, o som dos saltos altos salta aos ouvidos no corredor. todos os sons. tantos sons. e eu, incapaz de concluir o repeteco-tereco-teco. estranhos sentidos. estranhas entranhas. sons. silêncios. letras e os meus dedos ainda produzem ruídos enquanto escrevo esse tanto sem fim. 

Teu lugar, minha poesia



foto: Ierê Ferreira







Teu lugar me causa poesia.
Quero escrever em tuas paredes,
macular teus muros
marcar meus beijos
em becos escuros.
Tua presença me desconcerta tanto
que tropeço alheia,
[traio-me]:
emudeço.
Sinto um frio fino percorrer a espinha,
olho de soslaio, escapo em desatino.
Tuas palavras me revelam rouca,
me confessam louca
de desejo [e medo].
E nos teus lábios sinto o cheiro quente
do desejo ardente

Oculto sem pudor.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

nº 19

um sorriso largo
dois olhos azuis
três idéias na cabeça
quatro mãos entrelaçadas
cinco planos - devaneios
seis histórias pra contar
sete dúvidas intermitentes
oito dias encontrar
nove horas de apego
dez razões para amar
onze dias para esperar
doze passos pro infinito
treze é número de azar
quatorze duas vezes nota sete
quinze dias, voltas já!
dezesseis lembranças no corpo
dezessete fantasmas a assombrar
dezoito, a maior idade
dezenove foi pro mar...

Fim

segunda-feira, 13 de maio de 2013

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Quarenta e tals





O corpo expressa caminhos percorridos. Corpo liso e rijo só nas modelos de capa, dez ou vinte anos mais jovens. Corpo em decomposição. Corpo marcado, gasto, registrado. Um corpo cheio de histórias, com vincos e vínculos; com saliências, protuberâncias, altos e baixos.

Lucian Freud [desconcertante]
É um corpo, sim senhora! Um corpo com dobraduras. Em que todas as memórias se expressam sem pudor. Já não é um corpo jovem, mas tem alma com a energia infinita da juventude, misturada à imprudência lapidada pelos anos.

Corpo em decadência revela intensidade de desejos e infinitude de desígnios. Pés que pisam firmes o chão por onde passam. Pernas que sustentam o peso das experiências e das lembranças. Coxas roliças que alimentam fantasias em meias rendadas no eterno carnaval. 

Corpo desvela nos quadris o febril movimento das águas turbulentas sob as pontes, a languidez dos lagos e todos os sentidos e os sentimentos. Sensações. Barriga, abrigo e nutrição dos seres que trouxe ao mundo. Saliente, salienta-se. Corpo parido, resgatado.

Arriba, peito aberto: encolhe, expande, segura ondas, sustenta, abraça, acolhe. Peitos que alimentaram o mundo. Mulher de peitos, que aos poucos descansam sobre as costelas [e se derramam]. Já não é jovem e rija; é memória. Carinhos e carícias tecidos em veludos.

Ombros rotos, redondos, voluptuosos, braços finos, mãos pequenas: vincadas, marcadas. Repousa preguiçosa em sua nuca, a  salamandra. Sobe lenta e  sorrateira em direção aos cachos. Pelos envelhecidos, antes negros, agora acinzentados pelas estradas percorridas.

Do alto da cabeça veem-se vales e montes, um rio que corre para o mar. Abre caminho entre os olhos, desvenda o terceiro olhar, mergulha na face que os anos desmancham diante do espelho mudo; mudo. Abre-se num sorriso e volta a criar. Mais uma vez [e outra uma vez] dou à luz. Mulher parideira de idéias.








segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Silêncio [1]

...então vem o silêncio. talvez precedido de certo descompasso.
talvez depois de um desencontro.
mas vem, é certo que vem o silêncio.
 primeiro sutilizado pelo tempo que se arrasta na temporada de chuvas.

e conforme as horas passam, vai crescendo. crescendo e crescendo.
e vem... e veM
como uma onda tomando conta dos espaços vazios,
ocupando as incompletudes com seus sons.

sim! o silêncio tem seus sons.

e num dado momento é tão grande...

[e a distância percorrida por ele é  tão larga]

que se torna ensurdecedor.


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Streap Tease

Aos poucos soltei as tranças, olhar longínguo.
desamarrei os cabelos e o lenço, deixei cair sobre os ombros
derramarem-se...

Tirei os brincos, signos
Limpei os lábios rúbios, deixando-os na pele e carne
carnudos

O xale deslizou pelos braços
Caiu aos meus pés, como tu um dia  [em sonhos]

Despi-me da blusa alva, da saia florida, dos sapatos
desnudei a alma

Já não era Frida, nem Camille...
Deixei Simone de Beauvoir, 

Rosa de Luxemburgo, Leila Diniz...

Despi-me de todas elas,
Abri mão!
Abandonei Carry Bradshaw...

O sexo e a cidade...


Nua em praça pública, simplesmente Maria.