sábado, 18 de outubro de 2008

Toda Mulher tem direito a realizar seus sonhos...








''A construção do casal é um projeto comum aos dois, e eles nunca terminarão de confirmá-lo, de adaptá-lo e de reorientá-lo em função das situações que forem mudando. Nós seremos o que fizermos juntos'' (Dorine em Carta à D., de André Gorz)






Hoje conheci um casal que reafirmou seus votos depois de vinte e dois anos de união estável. Sim, eles se casaram, ou melhor, converteram a união de fato em casamento. A epopéia no judiciário, contada pela esposa, é caso a parte e merece texto próprio. O que me desafia a reflexão é, nos dias de hoje, um casal jovem, depois de duas décadas compartilhando espaço, dividindo despesas e construindo uma história comum, com filhos, bens, alegrias, tristezas e obstáculos superados, desejarem converter essa experiência em casamento comme il faut.



Mas afinal o que é este tal casamento, desejado por muitos e muitas e execrado por outros e outras? Em outros textos publicados sobre o tema falo de compromisso social, de contrato com obrigações e direitos, traço inclusive e principalmente um paralelo entre morar junto e casar-se. Vistas de um mesmo ponto. De qualquer vista que se veja o ponto ele pode ser assustador ou encantador.


Há quem restrinja casamento a um conjunto de idéias e ideais como subir ao altar diante de testemunhas e amarrar sua vida e seus desejos eternamente a outro ser, como compromisso jurídico e social ou forca, prisão ou ainda, banição do fabuloso e divertido do mundo dos solteiros. Mais há quem veja como muita responsabilidade, procriação, patrimônio, monogamia. E outras tantas palavras que fazem o casamento bicho-papão mais feio do que pode ser. Cemitérios na cabeça, cada um com os seus.


Há aqueles e aquelas que preferem colorir a idéia com sapatinho de cristal, vestido de noiva, flor de laranjeira e recepção para quinhentos convidados. Há ainda os que enquadram a experiência numa bela fotografia de 'família feliz' ou numa propaganda de margarina. São os olhos de quem vê. Cada um com suas crenças e seus mandatos.



Do alto de duas uniões, penso que casamento é escolha e, se escolha, pressupõe liberdade. É preciso ser livre de preconceitos, de jugos sociais, de idealizações e modelos preconcebidos para entender o casamento como escolha. Casamento, concordo com Dorine, é união de esforços para a construção de algo comum aos dois. Precisei de muitos anos, tantos quantos vivi, para chegar a esta conclusão.



Não creio que casamento é compartilhar espaço, coabitar. Há quem coabite e não esteja casado. Ao viver com minha irmã não estou casada com ela. Tampouco se restringe a dividir despesas, posso dividi-las com um colega de quarto ou numa república de amigos. Logo, suponho que compartilhar espaço e dividir despesas não significa casar-se. Pensar assim, a meu ver, é diminuir o sentido do vocábulo, reduzir seus significados. Mediocrizar.


Aliás, casamento sequer pressupõe compartilhar espaço ou dividir despesas. Prescinde, em alguns casos, de um, de outro e às vezes até de ambos.



O que estrutura o que chamamos casamento, em minha modesta e mutante opinião é o projeto comum. A construção de algo que ambos acreditam e o investimento que fazem juntos nisso. Como todo projeto demanda revisão, reorientação, adaptação. Isto porque somos seres em movimento, vivendo num mundo em que permanente só a mudança.



Rever projetos faz parte e ai daqueles que não fazem periodicamente suas revisões. Ai daqueles que acreditam que para a vida inteira é um conceito literal e imutável. Esses, por um lado pensam que casamento é compromisso, em seu pior sentido: forca, prisão, rua sem saída. Noutro sentido que é sonho, devaneio e prescinde de qualquer investimento pessoal para realizar-se. Basta a família reunida em torno de uma bela mesa de café da manhã e férias uma vez por ano na praia.



Os celtas, povo sábio, renovava os votos a cada solstício. Para os que entendem casamento como união, construção e projeto de vida, a sabedoria celta se aplica, ainda que não toda primavera e para estes resta após duas décadas renovar os votos e continuar sendo 'feliz para sempre', com a maturidade de saber que sempre não é todo dia e que projeto não é sinônimo de prisão.






Dedico este texto a Leida, uma mulher que usou o seu sagrado direito a realizar sonhos e junto com o companheiro Flávio enfrentou as limitações de nosso sistema judiciário e renovou seu compromisso com um projeto comum: a felicidade de compartilhar espaço, dividir despesas em nome de uma construção conjunta.




Maria Cláudia Cabral



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