quinta-feira, 6 de março de 2014

Silêncio e Sons

...de repente dei-me conta do barulho fora de mim. e do silêncio dentro. senti a fronteira tão nítida, tão despropositadamente perceptível. senti-me apartada do mundo. o barulho e eu. como se pudesse diminuir o volume da vida lá fora e deixar-me seduzir pelo silêncio cerrado cá dentro. como diferençar o silêncio surdo do ruidoso tilintar de talheres, bater de bocas, buzinas, música e portas fechando e abrindo? não sei. sei e sinto-me [nessas horas] alienígena no mundo de sons. o silêncio faz sentido, os sons me confundem as idéias. é como um daqueles filmes de Wenders em que os pensamentos dos passantes estão em mode-on. aquelas vozes, tantas vozes, a rua e seus sons tudo ao mesmo tempo fora de mim. mode-on. e basta girar o botão do volume ou mesmo ajustar a estação para conseguir voltar ao espaço de silêncio, tão hermeticamente fechado, tão asséptico e seguro. tão inodoro. vem a dúvida:  será que apenas para mim o barulho do mundo é tão presente?  de outro lado, seria o espaço de silêncio um flagrante de hiperfoco ou a confissão de deficiência de atenção?
...de repente  o silêncio e os sons estão aqui. fazem parte deste momento de escrita. sinto e ouço os dedos ansiosos sobre o teclado, ao mesmo tempo que alguém na sala ao lado fala ao telefone, um pássaro passa com seu canto, os carros rasgam a avenida molhada de chuva, alguém com pressa buzina, o ônibus na parada acelera para sair, a reunião na outra sala continua e os dedos ainda tamborilam sôfregos sobre o teclado. não há limite para a conversa, nem para os carros cortando o asfalto, não há pausa sequer nos dedos teimosos que insistem em tocar rápidos as teclas. tentativa inócua de concluir o raciocínio que iniciei ainda ontem sobre coisas do direito e o direito das coisas. o volume das vozes no corredor se eleva, o burburinho na sala ao lado segue, há quem grite embaixo do prédio sinalizando a chegada [ou a partida], enquanto ônibus e carros cortam o asfalto encharcado pela chuva. buzinas, mais buzinas. arremesso a goma de mascar no cesto de lixo. o som das próprias mandíbulas mascando já estava a enlouquecer as idéias. não é falta do que fazer, é falta de sentido. nesse momento não consigo encontrar o espaço de silêncio e longe dele não há sentido e dentro dele não há.
olho para o texto e imagino um buraco no meio, como se eu pudesse entrar pela fenda no texto, num espaço-tempo aleatório e cortar [bem no meio]. e dobrar e produzir outros sentidos e outros sentimentos. fazer as palavras e seus significados se resignificarem pelo recorte e pelas dobraduras. isso faz sentido. brincar com o texto e seus supostos significados estéticos, materiais e sensoriais faz sentido. outros usos do tempo podem não fazer tanto sentido. dizer o direito [não] faz sentido, não para mim, não assim. escrever essas quantas linhas para reafirmar entendimento pacificado em tribunais superiores e na corte maior, em parágrafos sucessivos, reafirmando e reiterando não faz sentido. o leitor já entendeu na primeira linha transposta. mas há que reafirmar e reafirmar. e não vejo sentido. e o mais importante, não sinto sentido. não há poética ou ética em repetir a menos que seja um refrão. e se for refrão não é parecer, é música. ou não é?
uma moto acelerou lá fora e alguém muito irritado insiste em buzinar. outro arrastou uma cadeira, o som dos saltos altos salta aos ouvidos no corredor. todos os sons. tantos sons. e eu, incapaz de concluir o repeteco-tereco-teco. estranhos sentidos. estranhas entranhas. sons. silêncios. letras e os meus dedos ainda produzem ruídos enquanto escrevo esse tanto sem fim. 

Teu lugar, minha poesia



foto: Ierê Ferreira







Teu lugar me causa poesia.
Quero escrever em tuas paredes,
macular teus muros
marcar meus beijos
em becos escuros.
Tua presença me desconcerta tanto
que tropeço alheia,
[traio-me]:
emudeço.
Sinto um frio fino percorrer a espinha,
olho de soslaio, escapo em desatino.
Tuas palavras me revelam rouca,
me confessam louca
de desejo [e medo].
E nos teus lábios sinto o cheiro quente
do desejo ardente

Oculto sem pudor.

domingo, 10 de novembro de 2013

Acarajé em Brasília e o Sentido da Vida

O melhor acarajé em Brasília me revelou o sentido da vida. Rita e Bira vem me revelando sentidos profundos em ações de superfície. Há um ano escrevi sobre o acarajé que salva soteropolitanos, baianos, e outros amantes da mágica culinária dos orixás em Brasília.

Soube quase um ano depois que aquele despretensioso relato, que dava conta de uma experiência sensorial muito pessoal, causou. Elas me contaram, felizes, sobre os novos clientes conquistados a partir do post.

Hoje, recebi uma notícia que mobilizou meus sentimentos e sentidos. Na caixa do Gmail vi abrir-se diante de mim a notícia e o pedido.

A Notícia: Bira, em Salvador, sofrera um AVC. Internada aguardando  transferência para um hospital de referência, Bira e Rita não podem montar a Tenda na 111 Sul.

O Pedido: Rita, diante da agonia de ver a companheira nessas condições,  pedira que me contatassem para dar aqui notícias sobre a tenda do Acarajé da Rita.

Assim que noticio, a todos e todas que se deliciam na tenda das meninas que Rita e Bira não estão montando a tenda do Acarajé na 111 Sul por causa do ocorrido. Pedem e peço preces, orações e todas as formas de expressão de fé em favor da saúde e do destino de Bira.

Mas o pedido mostrou-me o sentido da vida. Esse que nos faz sentir que vale a pena estar aqui. Ser lembrada nesse momento como canal de comunicação para Rita e Bira com seus clientes/amigos me emocionou e fez valer este espaço de expressão mais que tudo que já escrevi ou fiz nesta vida.

Gratidão enorme a elas que tem me mostrado o sentido de minha existência.  Desejo que o melhor para ambas se atualize. E que possamos, em breve, voltar a contar com elas no tradicional ponto do Acarajé em Brasília.

Gratidão por tudo!

sábado, 21 de setembro de 2013

quinta-feira, 27 de junho de 2013

nº 19

um sorriso largo
dois olhos azuis
três idéias na cabeça
quatro mãos entrelaçadas
cinco planos - devaneios
seis histórias pra contar
sete dúvidas intermitentes
oito dias encontrar
nove horas de apego
dez razões para amar
onze dias para esperar
doze passos pro infinito
treze é número de azar
quatorze duas vezes nota sete
quinze dias, voltas já!
dezesseis lembranças no corpo
dezessete fantasmas a assombrar
dezoito, a maior idade
dezenove foi pro mar...

Fim