quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Carta


De súbito dei-me conta de tudo a que me submeti: à mordaça, à convivência/conivência com aquela situação escusa. Ai! Fico feliz em saber que finalmente estou livre. E não senti nenhuma dor ao constatar que ele me eliminara completamente dos murais, das linhas de tempo, de sua vida. Ao contrário, foi um alívio. 

Senti como se a chave da cela, agora aberta, tivesse sido jogada ao mar. 


Por isso a carta, querido Caio A, sobre os sentimentos e o sentido de uma decisão necessária, corajosa [sim, há que ter coragem] e há muito adiada. Chega de conivência, chega de cálices. 


Cansei de ouvir: cala-te!

Sinto-me tão leve. Já não anseio por notícias ou sinais. Triste fim de Caio M. em mim, relegado a uma lembrança longínqua de alguém que um dia teve importância e, sem mais, deixou de ter. Deixou de ser.

É inacreditável, mas nada em mim diz da solidão de um final tão oco. Estou quieta, quase neutra diante da vida e do amor. O mar finalmente serenou e posso ver a luz da lua refletida na imensidão, clareando longe, sem contudo revelar o por vir. Mas o por vir tampouco me incomoda. É por vir.  E o agora, finalmente está sendo honrado comme il faut

Faço desde então o que é preciso a cada minuto, honrando esse minuto como se fosse, não o último, mas o único.

E nesse único minuto que me resta [antes do próximo], beijo-te a face, alargo o sorriso dourado dos olhos e te desejo uma noite estelar.

Sua sempre,

Maria Anita Lopes do Canto 

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Streap Tease

Aos poucos soltei as tranças, olhar longínguo.
desamarrei os cabelos e o lenço, deixei cair sobre os ombros
derramarem-se...

Tirei os brincos, signos
Limpei os lábios rúbios, deixando-os na pele e carne
carnudos

O xale deslizou pelos braços
Caiu aos meus pés, como tu um dia  [em sonhos]

Despi-me da blusa alva, da saia florida, dos sapatos
desnudei a alma

Já não era Frida, nem Camille...
Deixei Simone de Beauvoir, 

Rosa de Luxemburgo, Leila Diniz...

Despi-me de todas elas,
Abri mão!
Abandonei Carry Bradshaw...

O sexo e a cidade...


Nua em praça pública, simplesmente Maria.

O Veneno Está na Mesa (Parte 03)



Da série 'alimentação saudável é complicado por aqui''.

Bom final de semana, com alimentos orgânicos!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A Casa Espelho - Resposta a Caio

Caio:

A casa é espelho  que revela a alma que ali habita [há alma?] e por isso, adoro a sensação de olhar pela primeira vez não apenas a casa, mas o espelho [cidades, pessoas, espaços, fotografias, conceitos].

Quando chego aguço os sentidos e devagar vou sentindo o lugar. As escolhas [ou não escolhas] segredam o íntimo [sim, como um diário] de quem vive ali.

As cores ou a ausência delas. A disposição da mobília e suas formas. Há casas - já vi muitas - que reproduzem o show room de uma loja de móveis. Que dirias, Caio A., sobre as pessoas que moram ali?

Há aquelas que foram milimetricamente planejadas, com móveis imóveis.São tantas gavetas, portas, portinholas e nichos. Que pensar? Quantos segredos [ou segregação], talvez dissesse. Quanta previsibilidade! Talvez pensasse. Vi também daqueles que colecionam [seria essa a palavra?] coisas que arrastaram do caminho, e as depositam em casa como quem joga a toalha úmida no chão. A sala de visitas mais parece o museu dos horrores, tal abandono das lembranças, tal descaso com o percurso. E ainda as que adoram um passado que não lhes pertence. Forjando histórias vividas, lembranças que não têm. Memórias de outrem.

Lembro-me de que quando entrei na casa dele pela primeira vez, vi o vazio. Terra arrasada, um coquetel de show room com lembranças esparsas de uma infância vivida na idade adulta e decorado com apegos. As não escolhas assim o revelavam. Vi o descuidado zelo com as memórias, o abandono deixado pelos cantos, o desencanto náufrago.

Sim, era uma casa à deriva.

E no vazio desvelado, vesti a burca - olhos tapados - e diante das evidências, descuidei os olhos para privilegiar a boca.

Às vezes na vida sentimos tanta fome, que pedimos a quem não sabe cozinhar que nos alimente e esperamos e esperamos e esperamos pelo pão que nunca vem. Vêm migalhas e famintos nos refestelamos como se fossem banquetes com 9 talheres, 4 copos, entrada, ourd'evres, prato principal e dessert [estarias com fome?].

Os dias passam, as semanas e os meses e os anos. E a fome vai mitigando nossa capacidade de transformar o nada em amor. Insatisfeitos,  pedimos mais. Tornamo-nos 'exigentes' e mais não vem. E nos associamos ao sindicato dos famintos do mundo e fazemos greve, e escrevemos reinvindicações, e convocamos assembléias do 'eu sozinho' em que bradamos aos quatro ventos nossas inquietudes e insatisfações. Nos tornamos freaks perambulando pela sala de jantar. 

Mas, amado Caio, num dado momento nos damos conta de que escolhemos habitar uma casa vazia repleta de abandono e de descuido. Percebemos já sem dor que desejávamos nutrição e o dono da casa sequer sabe cozinhar. Momento de tirar a burca e revelar o que os olhos já haviam visto, mas preferiram tapar.

A burca é  pequena para mim. E como diria certo rabino sábio 'todo lugar em que a gente cresce, um dia fica pequeno' [e apertado].

Fica bem a ruminar esse diário lido, enquanto usufruo o prazer de minha janela com vista para o pátio iluminado de verde e ares novos.

Da sua,