domingo, 26 de dezembro de 2010

Hoje eu vou de... Clarice Lispector




 Já escondi um AMOR com medo de perdê-lo, já perdi um AMOR por escondê-lo.
Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.
Já expulsei pessoas que amava de minha vida, já me arrependi por isso.
Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem.
Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram.
Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância às pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto.
Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir.
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam.
Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.
Já fingi ser o que não sou para agradar uns, já fingi ser o que não sou para desagradar outros.
Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade... Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali".
Já cai inúmeras vezes achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.
Já liguei para quem não queria apenas para não ligar para quem realmente queria.
Já corri atrás de um carro, por ele levar embora, quem eu amava.
Já chamei pela mamãe no meio da noite fugindo de um pesadelo. Mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda.
Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram... Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim.
Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra SEMPRE!
Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes.
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco q eu vou dizer:
- E daí? EU ADORO VOAR!
Clarice Lispector

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

All You Need Is Love

Carta de Natal

Querida Nanda,

É Natal e sua carta me encheu de alegria e saudade. Lê-la partindo para a realização de um sonho é inspirador. Ei de fazer meus percursos qualquer hora dessas. Saturno passou por mim (passou?) e não foi fácil, confesso sem nenhum constrangimento. Abalou estruturas, mas faz parte. Afinal, querida, todas as estruturas são instáveis.

E você, sábia que é, já percebeu. Viver-vivendo e passar-passando é como se vive. Não é fácil, mas é simples. Quero respirar fundo e viver-vivendo agora, por que o tempo, é de fato um sinalizador. Nós humanos temos nos iludido com ele, vivendo ora no passado, ora no futuro, evitando a todo custo o momento presente. Simplesmente a maior parte de nós não sustenta viver o presente: sempre arrastando as correntes do passado, voltando a ele ao menor sinal de deslocamento no presente ou se projetando no futuro:  medos e devaneios.

Sim, querida, não há tempo para desperdiçar. Mas desperdiçar é negar o agora  e (pre)ocupar-se com o futuro. Não é tão fácil, eu sei. Atenção é uma palavra chave, um passo atrás do outro, respirando. Aprendi que atenção na respiração é tudo. O caminho mais curto para o agora/presença é respirar. Quando sentir-se invadida pela ansiedade, respire. Simples assim: respire e coloque todo o seu foco na respiração. Basta uns poucos minutos e você volta para o agora.

Nanda, você já é. É todo o seu potencial se realizando, dia após dia. Poema após poema. Mas entendo suas dúvidas e angústias quanto à escrita e nossa missão de escrever, do trabalho árduo. Sinto também.

Ao tempo em que desejo, fujo.
E deito e rolo e escapo
Me debruço sôfrega
Vomito
Cuspo
Choro
E rio e sinto e canto
E escrevo e escrevo e escrevo.
Exausta e plena
Fecho os olhos
Respiro e durmo.


...Mas é Natal! Tempo de renovar afetos e desejos.

Desejo a ti e ao universo muita paz, amig@s, sabores, sons, encantamento, poesia, abraços, saúde, pés no chão e cabeça nas nuvens, peito aberto, consciência, silêncio interior e, parafraseando Carpinejar, a liberdade de um amor para se prender.

Boa viagem e volte sempre!

M.C.

P.S. Quero viver cada dia, a espera de respostas, mas quais são as perguntas afinal?

Carta de Natal

Querida Nanda,

Sua carta me encheu de alegria e saudade. Lê-la partindo para a realização de um sonho é inspirador. Ei de fazer meus percursos qualquer hora dessas. Saturno passou por mim (passou?) e não foi fácil, confesso sem nenhum constrangimento. Abalou estruturas, mas faz parte. Afinal, querida, todas as estruturas são instáveis.

E você, sábia que é, já percebeu. Viver-vivendo e passar-passando é como se vive. Não é fácil, mas é simples. Quero respirar fundo e viver-vivendo agora, por que o tempo, é de fato um sinalizador. Nós humanos temos nos iludido com ele, vivendo ora no passado, ora no futuro, evitando a todo custo o momento presente. Simplesmente a maior parte de nós não sustenta viver o presente: sempre arrastando as correntes do passado, voltando a ele ao menor sinal de deslocamento no presente ou se projetando no futuro:  medos e devaneios.

Sim, querida, não há tempo para desperdiçar. Mas desperdiçar é negar o agora  e (pre)ocupar-se com o futuro. Não é tão fácil, eu sei. Atenção é uma palavra chave, um passo atrás do outro, respirando. Aprendi que atenção na respiração é tudo. O caminho mais curto para o agora/presença é respirar. Quando sentir-se invadida pela ansiedade, respire. Simples assim: respire e coloque todo o seu foco na respiração. Basta uns poucos minutos e você volta para o agora.

Nanda, você é. É todo o seu potencial se realizando, dia após dia. Poema após poema. Mas entendo suas dúvidas e angústias quanto à escrita e nossa missão de escrever, do trabalho árduo. Sinto.

Ao tempo em que desejo, fujo.
E deito e rolo e escapo
Me debruço sôfrega
Vomito
Cuspo
Choro
E rio e sinto e canto
E escrevo e escrevo e escrevo.
Exausta e plena
Fecho os olhos
Respiro e durmo.

...Mas é Natal! Tempo de renovar afetos e desejos.

Desejo a ti e ao universo muita paz, amig@s, sabores, sons, encantamento, poesia, abraços, saúde, pés no chão e cabeça nas nuvens, peito aberto, consciência, silêncio interior e, parafraseando Carpinejar, a liberdade de um amor para se prender.

Boa viagem e volte sempre!

M.C.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Carta de Anita para Caio X - O Jardim

Querido Caio,

Desenvolvemos uma cumplicidade tal que não há como deixar de ser Caio Marques. Ele és tu. Nada ou ninguém poderá te tirar essa identidade roubada, que aos poucos foi se pegando em tua pele e amalgamando idéias e sentimentos. Sinto que preciso de tuas cartas para seguir adiante. Não quero olhar para trás, para o velho Caio que criei para mim. Quero o novo Caio, com quem partilho as delícias da última aventura pelo interior, doce de leite e pão de queijo à noite, com gosto de falta grave.

Pois bem, íamos ao campo, eu e Alva - não lhe falei sobre ela? (estás certo de que não falei sobre ela antes?) Bem, comecemos então apresentando-a. Alva é a criatura mais doce que conheci em muito tempo. Sua voz é suave e os olhos verdes grandes são profundos e expressivos. Seus gestos são limpos e leves, e em seu sorriso mora uma sofisticação completamente despretensiosa. Alva é. 

Eu a conheci logo no primeiro dia de viagem e a amizade se estabeleceu facilmente entre nós ao concordarmos que precisávamos - antes de tudo - de um sorvete para refrescar a tarde quente e úmida. Ao ser convidada a compartilhar sua companhia no domingo, senti-me profundamente acolhida. Decidimos entre um trago e outro, que iríamos ao campo. 

A ruralidade me encanta, sempre me encantou e nos últimos anos tenho sido atraída por ela mais e mais. De várias formas. Já havia compartilhado isso contigo (ou com ele) quando falei sobre a casa no campo que habitara meus sonhos por anos e que encontrei para alugar nas planícies centrais quando lá estive. Ainda assim, muito ainda tenho de aprender sobre o meio rural e suas peculiaridades, sou garota da cidade, nascida e criada em grandes centros urbanos. 

Por isso, quando vi minúsculas flores amarelas que coalhavam as margens da estrada fiquei encantada com a vivacidade dourada. Foi quando descobri que tais flores - tão lindas - são chamadas 'mal-me-quer'. Elas são na verdade uma praga que assola terrenos não cultivados. Ao ouvir aquilo desliguei-me do percurso por uma fração de segundos.


Não sei desde quando ou onde nasceu o jardim como metáfora do amor ou dos relacionamentos, mas ela cabia muito bem com o comentário sobre o mal-me-quer. Não pude evitar os pensamentos sobre isso. Senti naquele momento que quando deixamos de cultivar o amor, quando permitimos que ventanias destruam nossas mudas, e logo voltamos a cultivar nosso terreno sem fazer uma profunda e cuidadosa limpeza, corremos o risco - mais que isso, é quase certo - que ervas daninhas ou pragas como o mal-me-quer invadam a área, primeiro sorrateiros, com  jeito moleque e colorido de ser, para irem tomando conta de tudo. 
E quando nos damos conta, ela está cobrindo toda a área, e o que era o terreno carinhosamente cultivado, torna-se área tomada pela florzinha-amarela-linda-e-ordinária, que sufoca as sementeiras.


Mas a mal-me-quer não é má. Ela é o que é: uma praga, uma erva daninha. Essa é sua natureza e por isso deve ser aceita e respeitada. Ela, como planta oportunista que é, ocupa espaços não cultivados ou cultivados sem o devido cuidado. E a quem compete limpar a terra, arar e semear? Aos jardineiros. Se eles, que são quem são: responsáveis pelo cultivo, não cuidarem da terra, terão seus canteiros tomados pela mal-me-quer. 

Seus canteiros serão arrasados. tristes, eles sentirão raiva e culparão o clima, a terra, o tempo, as sementes; sentirão raiva e virarão as costas para o cultivo, achando que cultivar não vale a pena. Querido Caio, não há maior engano. Cultivar vale a pena, mas como tudo nessa vida, só e somente só ser o fizermos completamente presentes e atentos ao canteiro e ao cultivar. Apenas com atenção os jardineiros podem perceber a aproximação do mal-me-quer, da tempestade, da ventania e proteger seu canteiro arrancando pela raiz o mal-me-quer, protegendo o canteiro das intempéries da natureza. 

É, meu lindo amigo, cultivar é simples, mas não é fácil. Há que amar seu canteiro para que a sementeira vingue e cresça forte e viçosa. O trabalho é árduo, mas vale a pena, por que não há nada mais lindo e acolhedor que um belo jardim.

Abraço sincero,

A.L.