terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Carta de Anita para Caio X - O Jardim

Querido Caio,

Desenvolvemos uma cumplicidade tal que não há como deixar de ser Caio Marques. Ele és tu. Nada ou ninguém poderá te tirar essa identidade roubada, que aos poucos foi se pegando em tua pele e amalgamando idéias e sentimentos. Sinto que preciso de tuas cartas para seguir adiante. Não quero olhar para trás, para o velho Caio que criei para mim. Quero o novo Caio, com quem partilho as delícias da última aventura pelo interior, doce de leite e pão de queijo à noite, com gosto de falta grave.

Pois bem, íamos ao campo, eu e Alva - não lhe falei sobre ela? (estás certo de que não falei sobre ela antes?) Bem, comecemos então apresentando-a. Alva é a criatura mais doce que conheci em muito tempo. Sua voz é suave e os olhos verdes grandes são profundos e expressivos. Seus gestos são limpos e leves, e em seu sorriso mora uma sofisticação completamente despretensiosa. Alva é. 

Eu a conheci logo no primeiro dia de viagem e a amizade se estabeleceu facilmente entre nós ao concordarmos que precisávamos - antes de tudo - de um sorvete para refrescar a tarde quente e úmida. Ao ser convidada a compartilhar sua companhia no domingo, senti-me profundamente acolhida. Decidimos entre um trago e outro, que iríamos ao campo. 

A ruralidade me encanta, sempre me encantou e nos últimos anos tenho sido atraída por ela mais e mais. De várias formas. Já havia compartilhado isso contigo (ou com ele) quando falei sobre a casa no campo que habitara meus sonhos por anos e que encontrei para alugar nas planícies centrais quando lá estive. Ainda assim, muito ainda tenho de aprender sobre o meio rural e suas peculiaridades, sou garota da cidade, nascida e criada em grandes centros urbanos. 

Por isso, quando vi minúsculas flores amarelas que coalhavam as margens da estrada fiquei encantada com a vivacidade dourada. Foi quando descobri que tais flores - tão lindas - são chamadas 'mal-me-quer'. Elas são na verdade uma praga que assola terrenos não cultivados. Ao ouvir aquilo desliguei-me do percurso por uma fração de segundos.


Não sei desde quando ou onde nasceu o jardim como metáfora do amor ou dos relacionamentos, mas ela cabia muito bem com o comentário sobre o mal-me-quer. Não pude evitar os pensamentos sobre isso. Senti naquele momento que quando deixamos de cultivar o amor, quando permitimos que ventanias destruam nossas mudas, e logo voltamos a cultivar nosso terreno sem fazer uma profunda e cuidadosa limpeza, corremos o risco - mais que isso, é quase certo - que ervas daninhas ou pragas como o mal-me-quer invadam a área, primeiro sorrateiros, com  jeito moleque e colorido de ser, para irem tomando conta de tudo. 
E quando nos damos conta, ela está cobrindo toda a área, e o que era o terreno carinhosamente cultivado, torna-se área tomada pela florzinha-amarela-linda-e-ordinária, que sufoca as sementeiras.


Mas a mal-me-quer não é má. Ela é o que é: uma praga, uma erva daninha. Essa é sua natureza e por isso deve ser aceita e respeitada. Ela, como planta oportunista que é, ocupa espaços não cultivados ou cultivados sem o devido cuidado. E a quem compete limpar a terra, arar e semear? Aos jardineiros. Se eles, que são quem são: responsáveis pelo cultivo, não cuidarem da terra, terão seus canteiros tomados pela mal-me-quer. 

Seus canteiros serão arrasados. tristes, eles sentirão raiva e culparão o clima, a terra, o tempo, as sementes; sentirão raiva e virarão as costas para o cultivo, achando que cultivar não vale a pena. Querido Caio, não há maior engano. Cultivar vale a pena, mas como tudo nessa vida, só e somente só ser o fizermos completamente presentes e atentos ao canteiro e ao cultivar. Apenas com atenção os jardineiros podem perceber a aproximação do mal-me-quer, da tempestade, da ventania e proteger seu canteiro arrancando pela raiz o mal-me-quer, protegendo o canteiro das intempéries da natureza. 

É, meu lindo amigo, cultivar é simples, mas não é fácil. Há que amar seu canteiro para que a sementeira vingue e cresça forte e viçosa. O trabalho é árduo, mas vale a pena, por que não há nada mais lindo e acolhedor que um belo jardim.

Abraço sincero,

A.L.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Quando o Carteiro Chegou...

...Nada como receber carta à moda antiga. Abrir a caixa de correspondência e encontrar um envelope destinado especialmente a você. Felicidade é isso também!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Pelotas II

Não há como conhecer de fato uma cidade sem andar a pé e enfronhar-se por seus arredores. Pelotas é uma cidade plana, seu traçado é preciso como um tabuleiro de xadrez - ou será de damas? - e suas ruas arborizadas o suficiente para tornarem as caminhadas confortáveis.  Andar a pé é ótimo antídoto para as profusas calorias dos doces irresistíveis. 

Aos arredores de Pelotas tive acesso por meio da mais nova 'amiga de infância'. Fui gentilmente convidada - povo de Pelotas é muito gentil e acolhedor - a almoçar em casa de mama. A casa, localizada num sítio delicioso, é confortável e transborda generosidade e afeto. Reflexo de seus habitantes, seu Bruno e D. Aura. 

A cozinha é aberta para a sala, linda como não havia ainda visto. A comida de D. Aura enche não apenas o estomâgo e os olhos, principalmente aquece o coração.  Mas, segundo soube, seu Bruno também é versado em panelas, sendo autor de licores e geléias, feitos com os frutos da própria terra. 

Sim, há um belíssimo pomar e uma grande horta, onde pude colher amoras frescas (daquelas bem redondas boas para preparar tortas). Alface, tomates, milho, de tudo se planta ali. Há também galinhas, bezerros e umas tantas ovelhas a berrar. 

Há mais, muito mais a ver e a sentir no Sítio Águas Claras. No passeio pelos jardins descobri lugares incríveis. Começamos por um jardim em que um ponei  tranquilo pastava. Lá havia espécies vegetais de vários lugares. Havia canela e maple - sim, aquele que é símbolo do Canadá - para a preparação de delicioso xarope a se derramar nas panquecas dos filmes com gosto de infância e gulodice. 
Mais adiante, a magia de um labirinto, copiado ipsis literis daquele que se encontra na nave central da catedral de Chartres. Experiência inenarrável, é necessário ir lá e conferir a energia que brota do centro do labirinto. Sons distorcidos em suave eco, mãos que formigam aquecidas mesmo a 12º. 

Seguindo pela trilha abaixo, logo se vê um pequeno jardim japonês, com seu restelo ao lado, pronto para auxiliar o visitante a mergulhar no silêncio interior. Seu Bruno conta a história do jardim, ao tempo em que explica toda a simbologia ali contida. Mas vocês acham que fica por aí? Não mesmo. 

Ainda há mais, quando pensamos que o passeio já surpreendeu o suficiente, há mais magia. E  adiante, um lugar que chamei de 'lugar de las abuelas''. Distribuídos em círculo estão os bancos de pedra que arrodeiam a fogueira, com seu caldeirão de ferro. Imaginei o encontro ''de las brujas'', mulheres pensadoras, sensíveis e cheias de histórias, mulheres ancestrais repletas de sabedoria, compartindo com as mais jovens os segredos do feminino sagrado. 

Ao lado, um lago calmo, refletindo a luz do céu e os eucaliptos do jardim dos patriarcas. E o caminho prossegue a perder de vista, ladeado pelas pilhas de lenha separada. Ainda não havia acabado quando a chuva fina chegou. Seguimos em direção ao outro lado da casa, encantei-me com um recanto - meu perdoe seu Bruno, esqueci o nome - em que foram dispostos bancos e um balanço para dois, em que se pode ver o pôr do sol, à frente, marcado em pedras altas, o evento quando do solstício de inverno - à esquerda - e o soslstício de verão - à direita - a inebriar-me. 

Sol e chuva. Chuva e sol, e conheci o carvalho plantado por Andréa (minha mais nova amiga de infância), e lembrei inexoravelmente que dentro de mim e de todos nós há semente do fruto do carvalho, pronta a germinar e crescer e tornar-se árvore frondosa e forte. Como anda sua semente? Germinou recentemente?

O sítio Águas Claras é também pousada, pois a casa que é guardada pelo frondoso carvalho (3qtos, cozinha, sala equipados) é hospedagem para aqueles que querem e valorizam o não fazer, o silêncio e os sons, os sabores e os odores do paraíso. Há ainda quem pergunte 'o que há para fazer lá?' Você acredita? Nem eu!


Se quiser fruir o paraíso, dá um toque para Andréa (andreachies@hotmail.com)*.


*Não faço posts patrocinados. A dica é dada dentro do espírito de compartilhar o que de melhor vivencio em minhas andanças por aí. Aproveitem e se forem lá, não deixem de escrever suas impressões do lugar que publico na maior satisfação.


terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A Torcida Campeã

 

Havia, durante todo o ano, uma expectativa de vitória no ar. O Inter e sua torcida aguardavam ansiosos pelo jogo de hoje. Apostaram todas as fichas e sonharam acordados dias e noites esse momento. Viveram projetados no futuro incerto, como se certo fosse.

O time, conduzido por um excelente técnico, é composto por um grupo talentoso e dedicado de jogadores. Ases como D'Alessandro, Guiñazu, Tinga, Alecsandro e Giuliano, entre outros. Mas depois de tanta expectativa e  anseio, algo ficou no caminho.

D'Alessandro, ansioso, não dormira. Visivelmente abalado emocionalmente passou anônimo todo o primeiro tempo. No segundo cometeu erros absurdos para um atleta de seu quilate. O emocional suplantou seu talento e o nocauteou. Guiñazu, líder reconhecido, estava irreconhecível. O time chutou a gol 11 vezes, não acertou nenhuma.

Viveu 2010 aguardando esse dezembro em Abu Dabi e quando o momento chegou, por temor ou por ansiedade, pôs tudo a perder.


Mas a Torcida foi um espetáculo. Cerca de 5mil assistiram ao vivo, enquanto milhares de corações colorados vibravam no RS, no Brasil. Enquanto, mesmo torcedores de outros times, emitiam boas vibrações para o time do Internacional. Numa mescla de ansiedade, nervosismo e força, a tudo acompanhou: intensamente. E gritou e rezou e torceu e chorou.

E apesar dos erros, das imperfeições e fragilidades tão humanas de seu time, estava lá para apoiá-lo. Esteve lá para expressar sua tristeza e decepção. Está lá para, mesmo decepcionada, estender-lhes as mãos. As cidades gaúchas, caladas pela frustração, silenciadas pela dor da derrota, estão cá a condoer-se pelos gols não feitos, pelo título deixado pelo caminho.

O espetáculo da Torcida Campeã é  show de amor, que mesmo ferido, doído, sonhos desfeitos, se cala e chora, preparando-se para, no próximo desafio, vestir novamente a camisa, encher-se de orgulho e cantar, e gritar e torcer por seu time do coração, deixando para trás as decepções. Não importam os erros e o mal desempenho de alguns - são antes de tudo humanos - por que o amor pelo time é maior e a tudo supera.


Hoje vou de Frida Khalo...

´Acho que é melhor nos separarmos e eu ir tocar minha música em outro lugar com todos os meus preconceitos burgueses de fidelidade.´´
Frida
Frida Khalo y Diego Rivera


``Rivera pintou a história e sofrimento do seu povo. Frida pintou sua própria história e sua própria tristeza. Frida Kahlo e Diego Rivera haviam de ficar juntos para sempre.``