sábado, 2 de outubro de 2010

Funcho

Descobri o funcho como alimento recentemente. Tive um estreito contato com ele quando a Bella nasceu. Naquela ocasião havia uma surto em Brasília de funchicória, um pó branco, vendido em farmácias de manipulação que servia para as cólicas dos bebês. Minha experiência com as cólicas da Bella e a funchicória  foi boa, mas não mágica.

Mas, saibam que embora soubesse naquela época tratar-se de um vegetal, assim como a chicória, para mim era um ser de outro planeta. Jamais havia visto aquilo na vida real, apenas em forma de pó.

Eis que dia desses, acompanhando Jamie Oliver, vi pela primeira vez o vegetal aí em cima: Funcho. Ele é uma espécie de erva-doce e todas as suas partes são comestíveis. É um alimento funcional, excelente para o sistema digestivo, sendo também antisséptico. Decidi que ia fazer a tal receita de funcho.

Fui ao mercado comprei um bulbo e pensei: O quê acompanhar? Funcho é excelente acompanhamento para peixes, mas, segundo Jamie acompanha também suínos, cordeiro e frango, além de ser alma gêmea para batatas. Encontrei belos filés de suíno, passeei um pouco mais entre as gôndolas do super e decidi fazer batatas, assim, se Bella não gostasse do funcho havia a opção de uma de suas referências prediletas: batatas assadas recheadas.
foto: Blog As Minhas Receitas


O funcho fiz exatamente como Jamie ensinou no GNT, apenas substituindo vermute por martini. Na verdade escolhi o Martini por eliminação: era o que de mais saboroso havia entre as bebidas destiladas da casa de K. O tempo de forno deve ser seguido à risca para que o funcho fique macio, porém ainda com alma (al dente). Evite deixar passar demais para que não perca o melhor de sua textura crocante.

Preparada a travessa do funcho, separei e pus-me a fazer as batatas. Em geral eu as preparo no forno, sem papel alumínio, embora demore mais, a casca fica super crocante o que confere um som especial a elas. No entanto, como estava testando uma nova receita, não queria que nada desviasse a atenção do funcho. Preferi assá-las no microondas. Funciona bem, desde que a crocância da casca não faça parte de sua wish list.

Vale lembrar que ao assar batatas no microondas é importante fazer furos na casca com a ponta de um garfo, para que não explodam. No meu caso, eram 3 batatas grandes, meu micro já chegou à maioridade - mesmo! - então precisaria de duas sessões de 6 minutos cada. No intervalo virei as batatas. Findo esse processo, abri as batatas e as recheei com bacon bem magro assado, manteiga de verdade e requeijão cremoso. Em lugar do requeijão fica muito bom cheddar, mas não consigo encontrar o tal queijo, apenas arremedos dele nos mercados da cidade. Tendo-as recheado, deixei-as esperando a última forma, enquanto os funchos assavam em forno convencional.

Os files de suíno foram temperados apenas com sal e pimenta do reino e cobertos com generosas rodelas de limão siciliano. Confesso que fiquei viciada neles por causa do Jamie. Jamais havia feito file de suíno, eles estavam abertos em bife, assim decidi grelhá-los, com a eterna preocupação de que a carne ficasse bem cozida, afinal aprendi nos tempos idos - e há muito idos - que carne de porco deve ser muiiiiiiiiiiito bem cozida. Gostaria, talvez, de sentir-me livre dessa crença, já que cortes magros de porco ficam um pouco secos se assados demais.

No final do cozimento do funcho tínhamos os bifes grelhados, as batatas um último minuto no micro, para mesclar manteiga, requeijão e panceta com a maciez das inglesas.

Resultado:

Funchos assados são deliciosos, tem um sabor refrescante, que lembra anis.

As batatas ficaram boas, no entanto, ainda prefiro a versão com casca crocante, além de terem uma cor mais apetitosa, ficam realmente mais saborosas.

Dos suínos, prefiro outras partes. O filé é um pedaço perfeito, sem retoques e, por isso mesmo, previsível. Não há como dar errado, no entanto, tampouco provoca emoções desconcertantes. Filés suínos são como pessoas que seguem todas as regras da moralidade do corpo, não permitindo que sua alma imoral manifeste-se vez ou outra.

Bella experimentou o funcho sem sacrifícios, chegou mesmo a gostar da receita, sem grandes paixões. Segue tendo escancarada preferência pelas batatas recheadas com filé de porquinho.

Autocrítica: Deixei passar um pouco o tempo do funcho, de maneira que ele ficou macio deeemais. Não à toa, recomendei acima obediência cega ao tempo sugerido por Jamie.

Respeite os direitos de autoria. Se for citar, dê créditos à autora.

domingo, 26 de setembro de 2010

Virada do Avesso




Senti não só o coração batendo oco, como os pulmões murchos, olhar espantado, mãos frias e a garganta subitamente inundada por uma avalanche que se dirigia aos olhos. Estes, virados para o avesso, cobriam-se lentamente fechando-se para a porta da rua.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Primavera

Sabedoria observar os ciclos da vida e aprender com eles. Somos também nós parte da vida no planeta e vivemos, ainda que não nos demos conta, de tais ciclos.

A vida passa por nós, enquanto passamos por ela numa dança infinita e harmoniosa. Cada estação um desafio. Cada temporada um aprendizado. Assim passam os dias, os meses, os anos. Seguimos adiante bailando ao som do tempo silencioso que passa.

No entanto, há pessoas alheias aos ciclos da vida, não percebem a beleza nem se dão conta do movimento. E insistem em acreditar que ainda estão no mesmo lugar. O mundo gira e lá estão elas tocando as mesmas músicas, repetindo os mesmos versos gastos. O tempo passa tão lento que o som de suas vidas se distorce com um vinil tocando na vitrola em baixa rotação.

Há ainda aqueles para os quais o tempo não passa, a vida não passa. Estacionam num fato, num ato, num caso suas vidas vazias e ali repetem e repetem as mesmas escolhas: um vinil arranhado e melancólico. Há os que seguem bradando os mesmos gritos de guerra, repetindo e repetindo as mesmas crenças, sentados no centro do disco.

O tempo é relativo para cada um. Escolhemos o tempo em que tocamos nosso vinil predileto. Para mim, a primavera chegou, trazendo novas flores nos velhos Ipês do Eixão. Trazendo infinitas possibilidades de realização. Meu tempo é o agora, minha rotação é aqui. Qual é o seu tempo?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Ipê: resposta a Caio Marques

Foto: Clarita Rickli
Caio,

O Ipê e seus ciclos. Há tempo de florescimento. Tempo de beleza e fulgor. Há tempo de folhas caídas, flores derramadas. Há tempo de galhos magros estendidos para os céus. O Ipê e seus ciclos. Serão os relacionamentos verdadeiramente intensos como os Ipês? - pergunto-me. 

Tivemos todos os tempos. Passamos por cada temporada e agora, mais uma vez, galhos secos estendem-se para o céu, enquanto flores murchas adubam as raízes. Somos Ipês? Por quanto tempo nossas flores - idas e vindas - ainda nutrirão o Ipê?


Não sei, mas gosto da perspectiva de sermos Ipês. Assim, já nem sinto saudades, nem mágoa das flores que caíram sem que eu pudésse sequer tê-las registrado. Dá-nos um sentido de percurso, movimento ininterrupto e livre, dentro de uma ordem natural de coisas. É, gosto de sermos Ipês.

Sejamos Ipês (será que meu humano egoísmo suporta?) floridos ou nus. Sejamos hoje o que somos hoje. Felizes com flores e sem flores. 

Reflexivo afeto,

A. L.



quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Macacos no Sótão

Carpinejar afirmou hoje no twitter 'É frustrante para uma ciumenta namorar um homem comportado.' Foi quando um grupo de macacos sapateadores ocupou meu sótão.  

Formou-se um eco ensurdecedor naquele pedaço de mim e tive de parar para refletir. e sentir. Respirei fundo naquela frase, tentei que cada palavra entrasse pelas narinas junto com o ar e inundasse o sótão, arejasse as idéias. Ainda assim, havia ainda um incômodo. Meu cérebro concorda integralmente com Carpinejar, enquanto meu coração bate a ponta do pé contra o solo e a cabeça balança ao som do tsc, tsc, tsc.

O assunto me lembra Walkíria. O primeiro marido achava que ela não o amava o suficiente por que desde os tempos de namoro o incentivava a ter um tempo dele com os amigos - conversas de bar, jogo de futebol essas coisas - pelo menos uma vez por semana. Ela não era ciumenta e isso o fazia sentir-se menos amado. O coração sorria tranquilo aquelas horas bem vividas dele e dela, cada um experimentando seu próprio espaço. Walkíria* acreditava no amor e na liberdade.

Gostava de dizer que nunca foi traída por ele, embora saiba que até foi. Mas sempre preferiu a ignorância aos pesadelos e às disputas. Não sei se foram felizes, mas certamente, ela teve dez anos de noites inteiras de sono.

Depois que a relação acabou, Walkíria teve alguns parceiros até encontrar um novo companheiro. Dizia-me que com ele desceu ao inferno. O homem era compulsivo por sedução, enlaces, enfim por mulheres. Ela chegou a pesar 44 kg e toda sua tranquilidade voou pela janela sempre aberta às novas aventuras dele. Traições sucessivas a deixaram paranóica e ela não conseguia sair do lugar. Ele era compulsivo por mulheres, ela compulsiva por ele. Depois de três anos de conselhos de amigas e de repetir para si mesma 'ele não vai mudar, sou eu quem tem de mudar', deixou-o em silêncio.

Cinco anos de terapia e abstinência de afeto depois, viu-se diante do mar. Primeiro a ponta dos dedos, um pé, depois o outro. Sentiu cuidadosamente o terreno, deixou-se envolver pela água morna dos sentidos, por fim entregou-se às ondas sutis que a invadiram. Ele era mar calmo, com poucas ondas e nenhuma arrebentação. Confiou como nunca, confiou como antes.

Até o dia que a rede lhe trouxe notícias de uma vida dupla. Ligou aos prantos em  pleno dia dos namorados. Era o fim, dizia ela. Saímos para um chopp e os soluços foram substituídos pela prosa divertidas dos amigos. Terminou a noite começando uma nova trajetória. 

Uma semana depois já estava naqueles braços de novo, ouvindo promessas de amor eterno e acreditando na célebre frase dos incautos 'Eu vou mudar'. Nunca mais foi a mesma e ele, aparentemente comportado, continuou o mesmo. 

Será que ela se sente frustrada por ele estar comportado ou por sabê-lo o mesmo?

*Walkíria é nome fantasia em respeito a privacidade da amiga em questão.