terça-feira, 10 de agosto de 2010

Diário de Bordo: A Coruña - La Coruña

A Galícia fica  na parte noroeste de Espanha, e talvez alguns não saibam, mas lá se fala Galego, idioma que parece  português com sotaque espanhol. Certamente é bem mais que isso, como se pode perceber abrindo os ouvidos para os sons e os olhos para a escrita. Ali se encontra o mais antigo farol do mundo, o único farol romano ainda em funcionamento.

De toda maneira, não sou o tipo de pessoa que conhece os lugares por enciclopédia. Sempre dou um google antes de partir, vejo clima e principais atrações, no entanto, sou adepta de conhecer as pessoas, a comida, as ruas. Andar como e com os locais, ir aonde vão para de fato sentir a cidade e seu povo. Na Galícia não foi diferente.

Assim, minha primeira experiência foi jantar num restaurante frequentado por galegos, especializado em frutos do mar. El 10, localizado na Praça da Espanha, que me foi muito bem recomendado por Jesus, o motorista que me buscou no aeroporto. Lá chegando, após alguma espera, fui recebida com alguma resistência por um dos garçons. Restaurante cheio e eu querendo mesa para umA. Paciência. Ia comer aqueles mariscos, com certeza. Exercito a calma e digo, sem medo de estar exagerando, valeu a pena. Acompanhada da cerveja local , uma resfrescante Estrella Galícia, servida "a pressão", esperimentei os mexilhões da regiºao, servidos com molho e, a tradicional+issima centolla.

O sabor é adocicado, lembrando um pouco lagosta, a carne tenra e muito branca e odor suave de ondas do mar. Interessante enquanto sujava meus dedos comendo o crustáceo foi perceber que o odor não é forte ou ácido como o dos caranguejos. Ao contrário, é tão suave quanto o próprio sabor. Saboreei cada parte longamente, numa ode ao prazer. Embora só, foram momentos plenos, em que o prazer de sentir a Galícia na ponta dos dedos e na boca me proporcionou uma viagem sensorial nova e aconchegante, provocando sentimentos e reflexões que me fizeram companhia durante todo o jantar.



A diferença de fuso me fez perambular pelas ruas do centro, passar pela famosa Praça Maria Pita, cheia de turistas, por horas ainda, até que fosse, finalmente deitar-me no quarto do hotel. Ainda assim, custei um bocado a dormir, finalmente apaguei por volta das 2h30, hora local (23h em Brasília). Afinal, no dia seguinte faria minha apresentação durante a Festa Dos Mundos seria às 17h, compartilhando a mesa sobre Diversidade Cultural e Sustentabilidade com o coletivo Migrantas, de Berlim e o tema das mulheres migrantas de Cabo Verde e a tradição do batuque não apenas como manifestção cultural tradicional, como também exercício de autonomia e empoderamento, apresentadas pela antropóloga Luzía Oca.




(desenhos do coletivo Migrantas) 

Por fim, aproveitar os shows da programação musical da Festa, depois de mais uma vez experimentar os sabores de A Coruña (galego) comendo  tradicional pulpo*, acompanhado de uma clara com limón (metade cerveja, metade suco de limão - chamado por nós de siciliano e por eles de galego). Experimente a Galícia!

*A foto do fabuloso prato de polvo, fico devendo, por que não pude baixar ainda.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O Princípio da Abundância

Sim, sei que pareceu auto-ajuda esse título. Não, não temo que o conteúdo também pareça. E porque? Bem, por que é o que sinto e o que tenho vontade de compartilhar porque me inundou de uma maneira muito forte quando coloquei os pés no aeroporto de Lisboa - em pleno verão europeu! - no último dia 06 de agosto. Mas essa sensação de abundância não iniciou neste verão, então proponho uma visita rápida no último verão brasileiro (Jan/2010).


Viajei a Fortaleza para descansar muito, curtir muito a praia, o sol e a família, não sem antes receber a notícia de que o departamento de RH da organização em que trabalhava havia cometido um pequeno equívoco em relação às minhas férias e eu não havia recebido os recursos financeiros para tal. Well... Não foi uma boa notícia, mesmo para alguém que ia hospedar-se no sofá da própria irmã.




Foram as melhores férias em muito tempo. Não havia dinheiro, mas quando começo a respirar o ar morno do litoral, logo começo a sentir tudo de bom que aquele lugar poderia oferecer. Havia carona para ir aos lugares, nde ocomer, belíssimas praias para visistar, excelentes companhias para compartilhar os momentos.  Nesse cenário de paraíso, (re)conheci Lupe Duialibe,  que me falou sobre a sensação de abundância.

Estávamos em Canoa Quebrada, um pequeno pedaço de paraíso, no nordeste do Brasil. Águas cálidas, boa comida, gente bonita. Ali ficamos por 4 dias e noites usufruindo dos dias de sol, das boas prosas, da brisa suave que vinha do mar e da vista maravilhosa hospedadas em casa de Adriana.


Mas não parou aí, durante os 30 dias que estive no Ceará, bastava que olhasse com atenção e podia sentir que com o ar, entrava nos pulmões a sensação de abundância. De Canoa Quebrada fomos para o Porto das Dunas, alguns quilometros distante de Fortaleza, onde passamos mais alguns dias no apartamento de Isabel. Nos intervalos das pequenas viagens íamos com Lupe a seus shows incríveis. Foram dias e noites inesquecíveis e, acreditem(!), não foi preciso muito para o que vivemos. Saí de Fortaleza com sensação de plenitude e abundância e me dei conta de que tudo o que vivo pode me trazer esta sensação, e quanto mais a reconheço como possibilidade, mais a sinto em  mim.

Tudo isso para dizer que quando desci do avião  em Lisboa, o sol nascia. Só então me dei conta de que estava pela primeira vez na Europa durante o verão. Voltou a sensação de abundância  e pulsou em mim de tal maneira que pude sentir todo o oxigênio ocupar meu corpo e ampliar-se, saindo pelos poros. Sim, eu estava na Europa na temporada de verão! Graças a um convite muito especial feito por minhas novas amigas de e-burbulla, por sua vez receberam a indicação de meu nome por meio de Angeles Díaz, de la Fundación Simetrías, de Espanha, a qual conheci durante uma palestra em El Salvador  para a qual recebi o convite justamente durante as férias da Abundância.

Logo, claro, a sensação de abundância tomou conta de mim. Dei-me conta, que em verdade uma vez que encontrei o caminho para esta sensação ela permaneceu fazendo parte de minhas circunstâncias (Ortega y Gasset) e por isso sou imensamente grata! Respiro e agora sinto que com todo o oxigênio vem a abundância de uma vida plena de realizações que se renovam todos os dias e a cada dia. 

Então, se pensam que é um texto de auto-ajuda, o que eu posso dizer? Mas estou certa de que é parte da experiência que tenho vivido todos os dias desde o último verão brasileiro, com muita consciência e os pés bem enraizados na Terra. Quis compartilhar, porque abundância gera abundância. Gracías a todos e todas que contribuíram para este momento.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Diário de Bordo - Porto Alegre

Experimentando Porto Alegre novamente, tive a oportunidade de reencontrar o Zaffari e, de certo modo, rever a vivência anterior. 

Pude ainda, praticar meu esporte predileto: provar comidinha de rua  (hei de escrever um guia de comidinhas de rua qualquer dia). Afirmo, sem qualquer dúvida, que experimentei o melhor cachorro quente das últimas décadas. Perde apenas para o dog da minha mãe. 


Como tudo o que se come por aqui, era enorme. Duas saborosas salsinhas (eu não quis o big), abraçadas por pão fofo e quentinho, cobertas por espesso molho de tomades, adornados com milho verde; para complementar ervilhas (uma mania gaúcha), muita salsa picada e uma generosa cobertura de queijo parmesão artesanal ralado. Um espetáculo para os olhos, uma dádiva para o estômago, um afago para o coração. 

Sim, o famosíssimo cachorro quente do Rosário (colégio particular localizado em frente à praça Dom Sebastião), no Centro de Porto Alegre, afaga a alma, trazendo para a boca o gosto de uma adolescência recheada de afeto e alegria.

Mas a experiência gastronômica não se restringiu ao dogão. Visitei também O Moita (Avenida Ipiranga, 2800 - Azenha, Porto Alegre), especializado numa da instituições da gastronomia de rua gaúcha: o Xis. Xis é um sanduíche gigante recheado com ingredientes muitas vezes inusitados, com resultados saborosíssimos. 

Um dos mais tradicionais, o Xis Coração, vem com corações de frango grelhados, alface, tomate, maionese, ovo (opcional), queijo, milho e ervilha (a mania gaúcha). Outros exemplos de recheio são  o estrogonofe (testado e aprovado),  o campeiro (hamburguer, calabresa, coração, bacon) e o Xis Calabresa, que dispensa apresentações. A experiência foi impressionante tanto pelo sabor, quanto pelo tamanho. Eu confesso que não sou capaz de comer um inteiro, fico com um quarto do tamanho e o mesmo sabor de Xis.  

Outra experiência bem bacana no Moita foi a Torrada. Se você pensou em duas fatias de pão de forma crocantes, acertou apenas em parte. A Torrada gaúcha corresponde a um misto quente turbinadíssimo. No meu caso, escolhi uma Torrada de Filé, composta por um delicioso bife de filé, queijo, presunto, maionese, tomates e alface, envolvidos por duas maravilhosas torradas tal qual as conhecemos. 

Tudo isso para afirmar que a comida de rua em Porto Alegre é de primeiríssima qualidade e espetacular sabor. Vale a pena conferir!

terça-feira, 20 de julho de 2010

L'Advsersaire (france, 2001)

O Adversário, dirigido por Nicole Garcia, lançado em 2002 recebeu a Palma de Ouro de melhor filme. Baseado em fatos reais conta a história de Jean-Marc Roman que matou a esposa, os filhos e os pais.

Do drama sai a seguinte frase, escolhida por P.Fendler:  

'' Diga-me Jean, por que as mulheres que mais nos excitam não são aquelas com quem podemos viver?''


O desafio de seguir o projeto é maior que o de Julie Powell. Naquele caso, ela cozinhava receitas de Julia e registrava em seu blog as alegrias e dissabores da experiência. Neste caso, o registro dos dissabores torna a experiência uma exposição em carne viva.

Não sei se por ter perdido o hábito de escrever com regularidade ou se por ter me deixado conduzir pela ilusão de escrever somente por impulso e inspiração, mas o fato é que a frase - notável - não conseguiu arrancar de mim mais que esse desabafo infantil.

Talvez o fato de não estar em casa, perto de fontes de consulta e de um cenário conhecido. Talvez o frio que me gela os ossos, talvez a própria incapacidade de organizar as idéias relativas a tão famigerada expressão.

Cheguei apenas à gênese do pensamento que me conduzia para a vinculação dessa idéia à idéia de arquétipos femininos e o preconceito masculino inconsciente deles ecorrentes.

O que me diria Cadu a esse respeito? Qual seria a posição de Elissa? O que diria Parrode sobre a magnífica frase?

Por onde anda a turma de Cinema, Diversão e Arte nessas horas?

terça-feira, 13 de julho de 2010

The Holiday

O Amor não Tira Férias - The Holiday (confira o trailler) : Duas mulheres, Iris (Kate Winslet) e Amanda (Cameron Diaz), duas histórias de frustração afetiva. Duas mulheres contemporâneas cansadas de bad romance e uma frase perfeita para reflexão, pronunciada por Arthur Abott (Elli Wallach), velho roteirista de Hollywood, dá origem ao presente texto:

''Iris, nos filmes tem a atriz principal e a coadjuvante: a melhor amiga. Todavia, posso afirmar que você é a atriz principal, mas por alguma razão que não se justifica, você está agindo como a melhor amiga (a coadjuvante).''


O que faz com que mulheres bonitas, independentes financeiramente, realizadas profissionalmente se coloquem no papel de 'melhores amigas' ou atrizes 'coadjuvantes'? Por que algumas mulheres 'atraem' esse tipo de situação?

Fácil observar que diversos são os  fatores que podem levar uma mulher a colocar-se no papel de coadjuvante, fatores sociais, culturais e individuais. Difícil é fazê-las perceber que essa é uma escolha delas, ainda que inconscientemente.

Vivemos numa sociedade - a ocidental - marcada pela tradição judaico-cristã que esquartejou a mulher em pelo menos três partes, a saber: a puta, a santa e a pecadora redimida. Daí se depreende pelo menos três arquétipos femininos.

 
 A figura da santa,  representada por Maria, mãe de Jesus que de tão pura concebeu por meio do Espírito Santo. Devotada ao filho, Maria não tem outra identidade senão aquela da boa moça que fecundada por milagre gerou e deu a luz ao Filho de Deus. Maria é, portanto, assexuada. Maria não está em questão no filme que ora analisamos.




A pecadora redimida é na verdade a mãe de todo o pecado e de todas as culpas que as mulheres carregam nos ombros por séculos. Nada mais, nada menos que Eva. Aquela que, por fraqueza, por curiosidade e  por  desobediência não apenas comeu do fruto proibido: da árvore do conhecimento, como também induziu o marido a fazê-lo causando um enorme e irreparável dano à família: a expulsão do paraíso. Por tal pecado foi condenada - e condenou - todas a mulheres do planeta, ''por  ordem do Criador'', a sangrarem todos os meses, sentirem dores ao parir e os homens a trabalhar para se alimentar. Sua culpa e seu arrependimento foiram tamanhos que tornou-se a esposa obediente e a companheira fiel dali em diante.



 E a Puta? Bem, essa é representada po Lilith - a mulher demônio. Embora alguns antigos livros sagrados do judaísmo falem nela, como o Talmud, a Bíblia omite sua existência. Lilith teria sido a primeira esposa de Adão. Aquela que percebendo a submissão que lhe queria impor Adão, rebelou-se e questionou. Não satisfeita, partiu em busca de outras possibilidades. Lilith é a mulher que se permite o prazer e que luta por igualdade. Lilith - a mulher demônio. Lilith, a puta. 




 Ao separá-las em três arquétipos distintos, as mulheres foram também partidas. Ao longo dos séculos tinham de escolher - como têm até os dias de hoje - entre viver o prazer sexual e a igualdade social/profssional ; ser a esposa devotada, companheira e obediente e; a mãe dedicada à prole. Resultado: identidades esfaceladas, conflitos internos. 

Mas por que estou trazendo arquétipos femininos para falar sobre a frase do filme? Procuro refletir, na verdade, a escolha - inconsciente - é verdade, de Iris, de Amanda e de muitas mulheres.

Incapaz de sustentar a idéia de ser una, a mulher que optou por ser Lilith não consegue realizar-se como Eva e/ou como Maria. Assim também, aquela que optou pela identidade de Eva - Amélia - não se realiza profissionalmente de forma plena; assim também as dedicadas mães, que após a maternidade perdem-se nesse mandato inconsciente de assexualidade.  

No caso do filme, Amanda é  Lilith que talvez inconscientemente acredita que Liliths não podem viver no paraíso, sem abrir mão de sua independência e sem abrir mão de seu prazer. Por isso, mesmo rica, bonita e profissionalmente bem sucedida atrai homens que provem que sua crença é verdadeira: homens infiéis, neste caso. OU pior que isso, Amanda não permite intimidade, não se entrega ao relacionamento e, se ele não é infiel, torna-se infiel por não sentir-se parte da vida dela. Confirma-se a crença: Lilith não pode ter prazer, igualdade E felicidade numa relação a dois. A crença - como construção cultural e pessoal - confirma-se na vida de Amanda.

Iris, por outro lado, é uma mulher sensível, que se entrega ao relacionamento com um homem que não a ama. Ela é uma profissional mediana, com uma vidinha igualmente mediana. Embora tenha inteligência, sensibilidade e humor suficientes para ser uma profissional bem sucedida e independente.Embora seja uma bela mulher, age com subserviência em relação ao parceiro que a tem quando e como quer. Iris é uma mulher obediente e bem comportado, que espera - inconscientemente - ser recompensada por seu bom comportamento com o título magnífico de esposa. Iris quer realizar o ideal de Eva. E como tal traz em si a culpa do pecado original, que a faz crer que por ser culpada não tem direito a ser tratada com respeito, consideração e afeto reais. Iris se desdobra em subserviência para merecer seu lugar de esposa. E, por ser tão disponível e 'amiga', torna-se a segunda opção, a amiga compreensiva, a atriz coadjuvante de sua própria estória. 

Sim, Iris escolheu ser coadjuvante, como muitas mulheres têm escolhido. Nada justifica sua escolha, mas a confirmação da crença de que a mulher é culpada pelo pecado original e que apenas sendo obediente, compreensiva e subserviente pode merecer o título de esposa - pior - que seu valor está atrelado a tal título que a valida como mulher e que somente pode ser dado pelo outro (o homem), explica. Ela deixa de ser o ser que É, e passa a refletir a imagem que o outro faz dela, ou talvez melhor, a projeção de sua auto-imagem distorcida. 

Para Iris, Amanda e tantas  mulheres deste século, esses arquétipos, as crenças e as impregnações são tão fortes que as fazem repetir padrões de comportamento que apenas reforçam o que a cultura, a sociedade e a experiência lhes tem ensinado ao longo dos séculos.  Por sorte, hoje, algumas mulheres vêm desconstruindo Amélia    seja por meio de psicoterapia, seja através de trabalhos de corporificação da consciência, seja por pura e simples rebeldia.





Para saber mais sobre os três arquétipos:
http://www.templodoconhecimento.com/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=431