quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Filho ou Filha Homossexual: Que fazer?


Dagoberto Arnaut - não me canso de pronunciar este nome nas últimas horas -mostra-nos o que fazer, com honestidade, com coragem e principalmente com muito amor. Quer saber? Leia:





Meu nome é Dagoberto Arnaut. Sou pai de uma menina gay.

Eu não sei lhes dizer exatamente quando, mas houve um momento em que percebi: Minha filha é gay. Não houve qualquer acontecimento especial para me levar a essa conclusão. Nenhuma conversa. Nenhuma frase. Nada. Foi pura percepção paterna. Mensagem sutil fluindo por esse intrincado cordão de cumplicidade que une pais e filhos.
Muitas vezes eu e minha mulher falamos sobre isso: Nossa filha é gay. Algumas vezes com convicção, outras tantas com dúvida. Nossa filha é gay? E todas essas conversas terminavam sempre com a mesma conclusão: não temos o direito de perguntar. Vamos esperar o dia em que ela se sinta confiante o bastante para nos contar. Espontaneamente.

A vida sexual dos outros nunca me incomodou. Há muito tempo eu sei que a sexualidade humana se manifesta de várias formas. Tive muitos amigos gays ao longo da vida. Um deles foi quem me apresentou a essa mulher especial com quem estou casado há 36 anos. A possibilidade de minha filha ser gay não era um problema para mim.

A para que isso ficasse claro para ela, eu comecei a ficar cada vez mais atento. Sempre que alguém fazia um comentário homofóbico, ainda que fosse apenas uma brincadeira, eu fazia questão de deixar claro que a homossexualidade de quem quer que seja não me causava qualquer espanto e nenhuma rejeição. E assim foi, até que o dia da revelação chegou.

Era véspera de ano novo. Imediatamente antes de sair para comemorar com os amigos, minha filha nos chamou.

- Pai, Mãe. Sentem aqui. Tenho uma coisa para contar para vocês.

Sentamos os três.

- Estou namorando. Nunca estive tão feliz. Mas é com uma menina.

Eu pensei que estava preparado para esse momento, mas não estava. Não consegui dizer nada inteligente. E até hoje não sei que sentimento me paralisou mais: um medo devastador da homofobia que ela teria que enfrentar sem que eu pudesse fazer nada para protegê-la; ou o imenso orgulho de ser pai de uma menina tão honesta.

Sim. O gay que sai do armário é um forte. Preferiu ser honesto consigo mesmo e com a vida. Merece respeito. Mas no âmbito familiar respeito é pouco. Aqui é preciso aceitação, acolhimento, compreensão e manifestações explícitas de amor.
A orientação homossexual é tão humana quanto qualquer outra orientação sexual. Não é opção, não é conduta a ser corrigida. É vida. Vida verdadeira. Tão abençoada quanto todas as outras criações divinas.

Olho para a minha filha que saiu do armário e vejo que seu caráter ainda é o mesmo que eu ajudei a formar. A bondade em seu coração não diminuiu, ao contrário, ficou maior porque o sofrimento de sua própria aceitação a tornou mais capaz de compreender o sofrimento humano.

Olho de novo para
a minha filha que saiu do armário e vejo que a única mudança é que agora eu sei que ela é gay.

Posso compartilhar muito da vida com os meus filhos: ética, visão de mundo, religiosidade, conduta profissional, enfim, quase tudo o que importa. Mas não é possível compartilhar com uma filha gay a experiência de ser homossexual. Afinal, ela nasceu em um lar heterossexual. Se não posso superar essa impossibilidade, posso oferecer uma casa que seja um ninho de afeto, aonde ela venha se fortalecer sempre que estiver cansada do calvário de discriminações que terá que enfrentar.

Aos homofóbicos eu gostaria de lembrar que os gays não nascem de geração espontânea. Os gays têm pais. E filho é como um nervo exposto. O que dói no filho dói nos pais, talvez até com mais intensidade. Pensem nisso antes do próximo gesto de discriminação, antes do próximo deboche, antes da próxima agressão. O que estou reivindicando é apenas respeito.
Não estou pedindo que entendam a homossexualidade de nossos filhos, até porque eu também não entendo a sua homofobia.

Nesse mês de maio, o Brasil ficou um pouco mais humano, quando o STF reconheceu que uniões homoafetivas estáveis são também entidades familiares. Isso foi muito bom. Foi excelente. Mas direitos e conquistas de cidadania parra os homossexuais pertencem ao mundo da racionalidade. A aceitação da homossexualidade do outro é assunto do coração. Pertence ao universo do afeto.




Com a ajuda do MGRV –  eu e minha mulher gostaríamos de formar um Grupo de Pais de Homossexuais para compartilhar experiências, nos ajudarmos mutuamente, mas principalmente para, humildemente, ajudar àqueles pais que amam mas ainda não conseguem aceitar seus filhos gays.


Você  que é pai, você que é mãe de um filho gay, lésbica, travesti ou transexual. É a você que me dirijo nesse momento e convido para fazer parte do Grupo de Pais de Homossexuais de São João del-Rei. Nossos filhos não merecem o sofrimento da discriminação. Vamos ajudá-los. Vamos fortalecê-los para que enfrentem  com sabedoria a homofobia e o preconceito. E assim, quem sabe, veremos nossa amada São João del-Rei, tão acolhedora, uma cidade de todos e de todas, livre da discriminação e da intolerância.

Nossa cidade fica também mais humana quando a Câmara Municipal abraça a causa dos homossexuais e trabalha para instituir políticas públicas de proteção dos direitos humanos.
Agradeço o espaço que me foi concedido para essa fala. Desejo aos militantes do MGRV uma excelente jornada amanhã em Brasília.

Agora respire. Respire profundamente e reflita sobre o exemplo de amor incondicional logo ali acima.
Além da vitória no STF em maio, há poucos dias mais uma vitória da racionalidade. STJ, por 4 votos a 1, decidiu pelo casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Mas como bem disse, Dago, isso é racionalidade. Acolhimento e aceitação da diversidade e das diferenças é assunto do coração.

Respeite a autoria, mas se quiser, copie, divulgue, pulverize na rede. Quem sabe outra mães e pais não estão neste momento precisando da força de um exemplo como esse. Qualquer dúvida, entrem em contato: maes@allout.org
ou pelo link dos comentários.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Carta às Mães e Pais Brasileiros




Mães pela Igualdade *

''Deixem que os aviões voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem Ele Está Morto,
Pombas de luto ostentem gravatas beges no pescoço(...)''
(W.H.Auden)



Nós, Mães pela Igualdade, gostaríamos de pedir dois minutos de silêncio e atenção para refletirmos sobre o Brasil que queremos. Dois minutos para lembrar nossos filhos e filhas. Durante esses minutos, busquem em suas memórias o momento em que viram pela primeira vez o bebê tão esperado e desejado com amor por sua família. Os pequenos olhos, a boca, os pezinhos. Lembre-se daquele instante mágico em que, após meses de espera, a pequenina pessoa esteve em seus braços.



Lembram-se do balbuciar das primeiras palavras e dos primeiros passos? O primeiro dia na escola; as festas de aniversário, as noites mal dormidas quando adoeciam; o carinho com que prepararam os presentes na escola, no dia das mães ou no dia dos pais? Lembram da janelinha no sorriso banguela?



Mal nos damos conta e as nossas crianças crescem e passam a ter vida social própria: os piqueniques, os churrascos, tardes no shopping, as baladas, a faculdade ou a escola noturna. Jovens, lindos, sensíveis, solidários, cheios de vida e de alegria.



Agora imaginem que um dia, voltando para casa, seu filho ou filha é vítima de um ataque covarde na calçada, sem motivo nenhum além de ser quem é. Você pode ouvir seus gritos clamando ‘’Mãe, me ajuda!’’, mas aquelas pessoas não param de bater, chutar, pisar e escarnecer; outras pessoas passam ao lado e nada fazem. Sua criança grita por ajuda enquanto sua pele é rasgada, seus dentes arrebentados, seus olhos feridos, seus ossos quebrados até a morte, banhada em sangue, e você impotente do outro lado da rua, ou mesmo em outra cidade. Aquele rostinho de outrora, agora deformado pelas pancadas. Essa imagem não sai da nossa cabeça. O sentimento é de desespero, angústia e vazio absoluto.



Respirem. Não é fácil passar por isso, mas essa violência é fato, e acontece todos os dias em nosso país. Nossas filhas e filhos têm sido agredidos, torturados e mortos. Nossas ‘’crianças’’, tem sido humilhadas, discriminadas, ofendidas, xingadas nas ruas simplesmente porque têm orientação sexual ou identidade de gênero diferente da maioria. Não escolheram ser lésbicas, gays, transexuais, travestis ou bissexuais, não se trata de uma opção. Simplesmente são assim: pessoas corajosas, dignas e honradas que assumem quem são, não sabem ser de outra forma e não querem viver atrás de máscaras.



·         As palavras de Marlene Xavier, uma Mãe pela Igualdade, resume com precisão o resultado extremo da homofobia descontrolada no Brasil: "Quando perdemos um filho, nos tornamos eternamente mutiladas e a nossa imagem é o reflexo da dor e da saudade, que serão nossas eternas companheiras". Algumas de nós carregamos no peito essa cicatriz, por isso pedimos que cada um e cada uma de vocês que estão lendo esta carta se pergunte: “e se meu filho ou filha fosse gay, lésbica, travesti ou transexual? Compreenderiam então a insegurança em que nós, mães de homossexuais e pessoas trans, vivemos cada vez que nossos filhos e filhas saem às ruas, viajam, vão ao cinema ou à escola. E, se amam seus filhos como nós amamos os nossos, entenderão a dor de uma mãe que perdeu seu rebento para a homofobia.

* “Mães pela Igualdade” (www.allout.org/pt/maespelaigualdade) são um grupo de mães de todos os cantos do Brasil que estão unindo suas forças para dar um recado claro contra a discriminação, a violência e a homofobia crescentes e mostrar ao país que a igualdade é um valor familiar. maes@allout.org