sexta-feira, 30 de abril de 2010

Branco

Branco. Decidi pintar tudo de branco. E olha que quem me conhece sabe que sou chegada a uma cor intensa nas paredes. Desta vez, no entanto, quis branco. Tudo alvo como lençóis pendurados num varal-de-quintal-em-dia-de-sol, como a primeira folha do caderno de desenhos da primeira série.

Branca - folha branca. É como me sinto, uma página em branco pronta para iniciar uma nova estória. Assim são as paredes do novo apartamento. Sim, estou me mudando de novo! Eu não disse que meu céu ja havia dito sobre mudanças em abundância mais uma vez em minha vida.

No entanto, uma coisa importante aprendi sobre mim mesma: convivo bem com a impermanência, mas não com a provisoriedade. As mudanças constantes não me abalam, mas os novos cenários têm de ser eternos e únicos enquanto durem. Provisoriedade, transitoriedade  não me animam. Sei ser pela metade, não! Só sei ser inteira nas escolhas, nas relações, no trabalho, na vida!!

TODA MULHER TEM DIREITO A SER INTEIRA E VIVER UMA VIDA PLENA E INTEIRA, MESMO QUE SUJEITA A MUDANÇAS!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A Rosa de Luxemburgo

Camarada Rosa,

Depois daquele chá passei dias e noites a refletir. Sim, também eu sonho como a união de amor e de intelecto. Preciso admirar a mente daquele que comigo compartilha os dias e as noites. Ainda assim, não posso deixar de notar que o desejo de ser quem sou, de ir e vir sem limites, de permanecer quando queira, mina qualquer possibilidade de realização desse ideal romântico que teima em volver. Então será que compreendo o sentido de compartilhar? Será que idealizo essa união de corpos, mentes e almas? Há coerência entre o sonho e meu transitar no mundo?

Confesso, camarada: não sei. À distância essa conjunção plena é o único caminho possível. No entanto, quando a realização se aproxima, sinto crescer em mim um muro de tijolos invisíveis que vai subindo lenta e magicamente até o limite de impedir-me a respiração. Sinto-me sufocar e logo quero distanciar-me, mas, à distância, de novo a saudade da plenitude e do encontro de corpos, de almas e de mentes.

Tal incoerência faz com que me senta inadequada. 'Não pertenço a este mundo' . Se por um lado, o ideal me aproxima incovenientemente das mulheres que, mesmo numa época de revolução, permanecem adormecidas e submissas ao sistema de dominação patriarcal e de classe que ora vige. Por outro , a liberdade de pensamento e de conduta que almejo e mesmo que exercito, me aproxima das camaradas revolucionárias. Eu, em meio à controvérsia, vienho debatendo-me há muito entre razão e emoção, sem dar-me conta de que talvez, apenas talvez, o mundo não precise ser uma coisa ou outra, e sim, uma coisa E outra. É possível, essa é a tese que venho sustentando intimamente, que nossa vida, afinal, não seja uma sucessão de escolhas excludentes, mas de uma conduta includente que possa acolher amorosamente a diversidade em todos os seus vários sentidos.

O chá naquela tarde da última primavera em Berlim , confortou-me a alma. Finalmente já não era a única que se retorcia em tal controvérsia e que considera a hipótese - ainda pouco definida - que o acolhimento dea diversidade possa ser, afinal, um caminho igualmente válido e - quem sabe - mais revolucionário que a própria revolução de classes. Não me refiro apenas ao acolhimento à diversidade poética, mas a aceitação e o respeito real pela diferença, inclusive às diferenças ideológicas e políticas.

Pergunto-me há bastante tempo porque a vida tem de ter um ''lado'''? Porque estar em um lado elimina a possibilidade de estar em outro. Não seria essa uma forma de alimentar a competição tão própria do sistema capitalista? Não há um caminho do meio?  Sei que as idéias que ora exponho - compartilhar? - poderia ser partilhada com ninguém mais. Não conheço quem hoje pudésse compreender  tais reflexões, mas tu, camarada Rosa, estou certa, entende a tormenta que toma minha mente e meu coração. 

Espero pelo dia em que possa declarar que sonho com uma casinha com flores na janela, em que compartilhe idéias e afetos com aquele que admiro e amo. Sei que tu, camarada, também por isso anseia, embora não seja compreendida por aquele com quem vem partilhando as lutas e os afetos, as idéias e os sentimentos.

Deixo-te, camarada, esperando que esta reflexão te encontre forte em tuas convicções e aberta às novas reflexões, sempre.

Anita

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Diário de Bordo - RJ

Eu até disse que não havia muito mais o que dizer nesse Diário de Bordo - RJ, no entanto, a aventura de tomar um táxi, sexta-feira à noitinha para ir ao Galeão, enfrentar engarrafamento em meio a uma boa conversa de taxista merece umas linhas.

O Souza foi o taxista que percorreu comigo esse engarrafamento. Ele já havia morado em Brasília e conversava quase tanto quanto eu. Quis me convencer que deveria morar no Rio, mal sabia ele que havia uma possibilidade real disso acontecer. Ouvi atentamente todosos argumentos do Souza para deixar Brasília e tornar-me uma cidadã do Rio de Janeiro durante os longos minutos que me separavam do Galeão.

Chegamos no limite para o check-in, mas antes de deixar o táxi prometi ao Souza avaliar com atenção a possibilidade de mudar de cidade. O Souza falava como um pai cauteloso que orienta a filha destrambelhada. Despedimo-nos com essa e outras promessas, afinal, disse a ele que doravante faria de seu cartão de visita meu cartão fidelidade.

Mas o melhor estava por acontecer. Feito o check-in eletrônico na GOL - está ótimo o serviço - dou-me conta que eu deveria estar no Santos Dumont.

Dois segundos de pânico depois, ligo para o Souza e sentencio 'Souza, volta!''.
- Já to quase em Bonsucesso, mas to voltando - foi a resposta do Souza.

Doze minutos e meio e várias unhas roídas depois, chega o Souza. E não perde a oportunidade:

- Olha o Rio de Janeiro segurando a senhora - isso é um sinal, heim!

Aquela altura, eu que não sou de estressar, estava suando frio. Aquele era o último vôo para Brasília. Sem problemas, com Souza na direção, não houve Rio de Janeiro querendo me segurar que desse jeito. Cheguei ao Santos Dumont em tempo de embarcar. Tá, é verdade que o avião estava atrasado, mas que' voltei para Brasília, voltei, Souza!

Entrou por uma porta e saiu pela oura mudo ou não para o Rio? O Souza já deu a opinião dele, e vocês, o que acham?

Resposta a Caio Marques

Não. Não vivemos juntos, Caio. Viver junto no sentido que trazes é compartilhar planos e sonhos. Nós, por um breve espaço de tempo, compartilhamos o teto, os dias, as refeições, a rotina, a empregada e o endereço. Não, nós não vivemos juntos jamais.

E nesse sentido percorro aqueles dias olhando atentamente para cada instante, buscando um olhar realista para o que vivemos. Sonhei por nós dois, planejei por nós dois. Nós vivemos aqueles dias juntos, cada um a seu modo, cada um vivendo sua própria fantasia, vestindo sua própria realidade.

Talvez tu te chames Ishmael e não Caio. Talvez eu tenha criado Caio para ser a imagem e semelhança de minhas fantasias. Caio então teria tornado-se tão real que de criatura passou a criador? Teria reescrito nossa história segundo suas próprias expectativas? Ou talvez Ishmael seja criação dessa expectativa por um companheiro para quem fazer planos - e realizá-los - seja igualmente um valor a ser experimentado. As palavras, sempre elas, mesclando fantasia e realidade, virtual e atual fazendo de um, outro a depender do campo léxico de quem escreve, do vocabulário de quem lê.


Afastamento, talvez essa fosse a palavra mais apropriada para o que se deu conosco. O convívio entre realidade e fantasia tornou necessário o afastamento e assim aos poucos nós tomamos caminhos tão distintos.

Talvez, e é assim que tenho sentido, a fantasia tenha se tornado verdade ainda que tardia. Mas como posso sentir por você? Não sei sequer o que realmente sinto - ou quero de nós dois - hoje que estamos tão distantes. Como poderia saber dos seus sentidos? Há sentido no que vivemos? Há sentido no que viveramos?

Há sentido em nos mantermos em contato? Sentido não sei se há, mas sinto quase uma necessidade de te ler, de compartilhar contigo o que em mim se passa.

Seja Caio, seja Ishmael, call me Anita. Anita Lopes, aquela que mesmo sem saber o que pode significar o amor, ama. Incondicionalmente ama. Instransitivamente ama.

Sempre sua,

Anita

sexta-feira, 16 de abril de 2010

XII Carta para Caio

Caio,

Sua última carta me fez refletir longamente. Quem deixou quem afinal? Essa é uma pergunta que não havia me ocorrido. Talvez não nos tenhamos deixado, mas sim deixado a vida nos levar para onde ela queria que fossemos. Talvez tenhamos permitido tal estado de coisas para não termos de decidir sobre nós. Era mais fácil para ambos deixar que tudo corresse como se destino fosse.

É possível que se fizer uma auto-análise mais cuidadosa possa chegar à conclusão que minha partida tenha sido uma espécie de revanche, mas sendo assim, terei me sentido abandonada por você quando de sua ida para o norte?

É possível, mas, de certo modo, injusto de minha parte, pois nunca fizéramos planos. Você nunca me prometeu nada. Na verdade vínhamos vivendo a paisagem, deixando que a trama fosse mais importante que o desenlace. Jamais faláramos sobre o que queríamos afinal de nós dois, ou mesmo o que sentíamos realmente.

Era bom. Simples assim. Estar com você era muito bom. Compartilhar momentos, idéias, boas refeições era maravilhoso. Poder expor todas as angústias e ansiedades que a paixão pelo trabalho me impunha depois de longas e desgastantes discussões era especialmente acolhedor.

Mas nossa trama não tinha teia que a sustentasse, a ausência de planos comuns nos fez tomar rumos muito diferentes. Hoje, morando tão longe de ti, percebo que talvez não houvesse mesmo outro caminho para nós. E tenha de me confortar com as cartas que trocamos vez ou outra.

Talvez – é quase certo – você não se adaptasse a esta cidade. Ela não é para você, embora muito aqui me lembre nós dois e a vida que não vivemos. Ás vezes sinto saudades de tudo o que fomos um para o outro e de tudo o que poderíamos ter sido, e não fomos. Sinto falta das viagens que não fizemos, das idéias que não compartilhamos, dos abraços que não demos. Sinto falta, dos sonhos não sonhados e dos planos não realizados. Sinto falta do que poderíamos ter sido. Não fomos.

Walt Whitman tem um poema em que fala sobre a estrada que não tomamos. Sim, estive pensando sobre a estrada que não tomamos, mas isso de nada nos adianta agora. Nada pode nos ensinar, senão que não estamos juntos, não há nem trama, nem paisagem para nós agora. Só distância.

Olhando para a estrada que tomei, não chego a me arrepender. Ela me trouxe a esta magnífica cidade, me aproximou de pessoas especiais que não teria conhecido se nossas circunstâncias fossem outras. Conhecer K., Maria e d. Maroca foi realmente especial para mim. Tem sido enriquecedor, e o novo trabalho estimula a criatividade, embora por vezes me deixe algo insegura.

Mas isso já é outro assunto. Vou deixando-te por aqui. Cheia de saudades da estrada que percorremos juntos, deixando para trás o caminho que não fizemos.

Sempre sua,

Anita