terça-feira, 13 de julho de 2010

The Holiday

O Amor não Tira Férias - The Holiday (confira o trailler) : Duas mulheres, Iris (Kate Winslet) e Amanda (Cameron Diaz), duas histórias de frustração afetiva. Duas mulheres contemporâneas cansadas de bad romance e uma frase perfeita para reflexão, pronunciada por Arthur Abott (Elli Wallach), velho roteirista de Hollywood, dá origem ao presente texto:

''Iris, nos filmes tem a atriz principal e a coadjuvante: a melhor amiga. Todavia, posso afirmar que você é a atriz principal, mas por alguma razão que não se justifica, você está agindo como a melhor amiga (a coadjuvante).''


O que faz com que mulheres bonitas, independentes financeiramente, realizadas profissionalmente se coloquem no papel de 'melhores amigas' ou atrizes 'coadjuvantes'? Por que algumas mulheres 'atraem' esse tipo de situação?

Fácil observar que diversos são os  fatores que podem levar uma mulher a colocar-se no papel de coadjuvante, fatores sociais, culturais e individuais. Difícil é fazê-las perceber que essa é uma escolha delas, ainda que inconscientemente.

Vivemos numa sociedade - a ocidental - marcada pela tradição judaico-cristã que esquartejou a mulher em pelo menos três partes, a saber: a puta, a santa e a pecadora redimida. Daí se depreende pelo menos três arquétipos femininos.

 
 A figura da santa,  representada por Maria, mãe de Jesus que de tão pura concebeu por meio do Espírito Santo. Devotada ao filho, Maria não tem outra identidade senão aquela da boa moça que fecundada por milagre gerou e deu a luz ao Filho de Deus. Maria é, portanto, assexuada. Maria não está em questão no filme que ora analisamos.




A pecadora redimida é na verdade a mãe de todo o pecado e de todas as culpas que as mulheres carregam nos ombros por séculos. Nada mais, nada menos que Eva. Aquela que, por fraqueza, por curiosidade e  por  desobediência não apenas comeu do fruto proibido: da árvore do conhecimento, como também induziu o marido a fazê-lo causando um enorme e irreparável dano à família: a expulsão do paraíso. Por tal pecado foi condenada - e condenou - todas a mulheres do planeta, ''por  ordem do Criador'', a sangrarem todos os meses, sentirem dores ao parir e os homens a trabalhar para se alimentar. Sua culpa e seu arrependimento foiram tamanhos que tornou-se a esposa obediente e a companheira fiel dali em diante.



 E a Puta? Bem, essa é representada po Lilith - a mulher demônio. Embora alguns antigos livros sagrados do judaísmo falem nela, como o Talmud, a Bíblia omite sua existência. Lilith teria sido a primeira esposa de Adão. Aquela que percebendo a submissão que lhe queria impor Adão, rebelou-se e questionou. Não satisfeita, partiu em busca de outras possibilidades. Lilith é a mulher que se permite o prazer e que luta por igualdade. Lilith - a mulher demônio. Lilith, a puta. 




 Ao separá-las em três arquétipos distintos, as mulheres foram também partidas. Ao longo dos séculos tinham de escolher - como têm até os dias de hoje - entre viver o prazer sexual e a igualdade social/profssional ; ser a esposa devotada, companheira e obediente e; a mãe dedicada à prole. Resultado: identidades esfaceladas, conflitos internos. 

Mas por que estou trazendo arquétipos femininos para falar sobre a frase do filme? Procuro refletir, na verdade, a escolha - inconsciente - é verdade, de Iris, de Amanda e de muitas mulheres.

Incapaz de sustentar a idéia de ser una, a mulher que optou por ser Lilith não consegue realizar-se como Eva e/ou como Maria. Assim também, aquela que optou pela identidade de Eva - Amélia - não se realiza profissionalmente de forma plena; assim também as dedicadas mães, que após a maternidade perdem-se nesse mandato inconsciente de assexualidade.  

No caso do filme, Amanda é  Lilith que talvez inconscientemente acredita que Liliths não podem viver no paraíso, sem abrir mão de sua independência e sem abrir mão de seu prazer. Por isso, mesmo rica, bonita e profissionalmente bem sucedida atrai homens que provem que sua crença é verdadeira: homens infiéis, neste caso. OU pior que isso, Amanda não permite intimidade, não se entrega ao relacionamento e, se ele não é infiel, torna-se infiel por não sentir-se parte da vida dela. Confirma-se a crença: Lilith não pode ter prazer, igualdade E felicidade numa relação a dois. A crença - como construção cultural e pessoal - confirma-se na vida de Amanda.

Iris, por outro lado, é uma mulher sensível, que se entrega ao relacionamento com um homem que não a ama. Ela é uma profissional mediana, com uma vidinha igualmente mediana. Embora tenha inteligência, sensibilidade e humor suficientes para ser uma profissional bem sucedida e independente.Embora seja uma bela mulher, age com subserviência em relação ao parceiro que a tem quando e como quer. Iris é uma mulher obediente e bem comportado, que espera - inconscientemente - ser recompensada por seu bom comportamento com o título magnífico de esposa. Iris quer realizar o ideal de Eva. E como tal traz em si a culpa do pecado original, que a faz crer que por ser culpada não tem direito a ser tratada com respeito, consideração e afeto reais. Iris se desdobra em subserviência para merecer seu lugar de esposa. E, por ser tão disponível e 'amiga', torna-se a segunda opção, a amiga compreensiva, a atriz coadjuvante de sua própria estória. 

Sim, Iris escolheu ser coadjuvante, como muitas mulheres têm escolhido. Nada justifica sua escolha, mas a confirmação da crença de que a mulher é culpada pelo pecado original e que apenas sendo obediente, compreensiva e subserviente pode merecer o título de esposa - pior - que seu valor está atrelado a tal título que a valida como mulher e que somente pode ser dado pelo outro (o homem), explica. Ela deixa de ser o ser que É, e passa a refletir a imagem que o outro faz dela, ou talvez melhor, a projeção de sua auto-imagem distorcida. 

Para Iris, Amanda e tantas  mulheres deste século, esses arquétipos, as crenças e as impregnações são tão fortes que as fazem repetir padrões de comportamento que apenas reforçam o que a cultura, a sociedade e a experiência lhes tem ensinado ao longo dos séculos.  Por sorte, hoje, algumas mulheres vêm desconstruindo Amélia    seja por meio de psicoterapia, seja através de trabalhos de corporificação da consciência, seja por pura e simples rebeldia.





Para saber mais sobre os três arquétipos:
http://www.templodoconhecimento.com/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=431

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Eu e o Cinema

''Eu adoro essa parte. A luz vai se apagando devagarzinho. O mundo lá fora vai se apagando devagarzinho. Os olhos da gente vão se abrindo e daqui a pouco a gente não vai mais nem lembrar que tá aqui. (...) A gente vai conhecer um monte de pessoas novas, um monte de problemas que a gente não pode resolver, porque só eles podem. Vamos ver como e quando'' (Lisbela, em Lisbela e o Prisioneiro).

Cinema essa mágica luz que alumia almas e faz viajar por lugares nunca antes visitados, por estórias improváveis ou verdadeiras - narradas de modo encantador  ou apenas documentadas. Cinema que embalou sonhos e desejos. Cinema que foi o caminho  para fazer amigos numa cidade desconhecida para a qual me mudei há alguns anos atrás e que me possibilitou publicar os primeiros textos no Arcamundo.

Naquele tempo, a saída que encontrei para me enturmar foi o Orkut. Lá encontrei a comunidade Cinéfilos de Goiânia, onde, insistente, participava de debates havidos entre seis cinéfilos verdadeiramente aficcionados eteimosos. E eu era a mulherzinha de Brasília - brasilienses estão para goianos assim como paulistas estão para cariocas, não necessariamente nessa mesma ordem - que ficava furando os debates, dando palpites e provocando a discórdia nas até então discussões exclusivamente masculinas da comunidade.  Foi um tempo maravilhoso e sou imensamente grata pelas inestimáveis lições aprendidas com Rafa, Rafa Parrode, Vini, Cadu, Fabrício, Valber e André. 

Claro que tantas discussões on-line acabaram por incentivar encontros reais - sempre em cinemas locais -  com ótimas discussões em barzinhos da cidade. Depois algumas figuras inesquecíveis se juntaram ao grupo: Camila - a mãe do Arcamundo - Elissa, guerreira incansável das causas de esquerda e algumas namoradas que vinham e iam.  Por fim, criamos nós mesmos uma nova comunidade: Cinema, Diversão e Arte que resiste bravamente no Orkut até hoje. 

Mas para quê essa história toda, afinal? Tudo isso é um pouco para matar saudades dessa turma com a qual há muito não tenho contato e muito é para dizer da importância e do meu afeto e gratidão por eles e pelo cinema.

Embora não seja uma crítica do gabarito de Fabrício ou Parrode, sou o tipo que analisa num filme aspectos da construção das personagens e sua coerência, além de ser aficcionada pelos roteiros e seus textos maravilhosos. Sou ligadíssima em frases de cinema, razão pela qual não resisti dia desses e adquiri um livro chamado '' Os Melhores Diálogos do Cinema'' de P.Fendler.  Não sei se posso concordar com o autor sobre serem os melhores diálogos, mas certamente a maior parte dos textos selecionados pelo autor são muito bons, tão bons que decidi escrever - a partir dos diálogos selecionados por Fendler - crônicas ou contos, quem sabe.

O livro traz 229 diálogos do cinema. 229 pérolas dos clássicos aos contemporâneos. E vou escrever a partir da próxima terça-feira (homenagem ao Arcamundo) sobre os 229 textos selecionados por Fendler. A cada nova terça-feira, um novo texto. Espero que findos os 229 tenhamos outros 229 sugeridos pelos leitores do Blog para que possamos seguir surfando nas maravilhosas frases de cinema.

Nosso primeiro diálogo será o do filme The Holiday. Aguardem! 

P.S. Esse projeto dedico a@s amig@s de Cinéfilos de Goiânia, a@s companheir@s do Arcamundo, em especial Vini, Cadu e Camila.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Sobre o Dia Seguinte

Alberto,

Creio que Anita, mesmo tendo suas próprias confissões, não consegue atualizar Caio diante das revelações feitas por ele - ou à revelia dele. Sim, Caio era um homem ideal. Talvez fruto da imaginação de Anita, certamente produto de minha onipotência autoral, fruto de arrogância criadora.

Sinto-me devastada. É como se tivessem me arrastado por quilômetros de estrada de piçarra em alta velocidade. Estou em carne viva e, mesmo tendo recebido infalíveis unguentos, ataduras limpas e secas, todos os cuidados para evitar a sepcemia, ardo em febre. Meu corpo não pode ser sequer tocado, minha alma vagueia por entre as palavras que ouço longe, longe, mesmo tendo sido pronunciadas por minha própria boca.

Apenas a dor está aqui e é tão feia que assusta os mais bravos cavaleiros, as mais corajosas Amazonas. Desejo desaparecer por uns dias do planeta. Dar uma volta em torno do sol e buscar lá - quem sabe - uma outra energia. Energia renovadora, renovada.

A força das minhas entranhas me acompanha, graças a elas resisto a tamanha covardia. E delas me reinvento enquanto, pouco a pouco, o tecido eptelial se reconstituí. É lento esse processo de cura, até que se cria a casca e, sob a casca protetora, se reconstitui a pele - fina e delicada no princípio - sensível, porém firme depois da cura. É um processo lento, que exige força, firmeza e paciência de quem cuida o corpo ferido, a alma devastada.

Pode parecer, caro Alberto, que sua interlocutora já não é a mesma. Creia, não é mesmo. Há semanas vem-lhe sendo seifada a vitalidade (e ela está permitindo).Mas como bem disse Pessoa, o poeta afinal é um fingidor (...) Assim, entra por uma porta e sai pela outra e quem quiser que chore outra.

O que é real nessa história toda, afinal? Não sei. Só sei que é assim que meus dedos sôfregos quiseram tocar o teclado. E eu permiti.

Aguarde, em breve Anita, com sua autora já recuperada do turbilhão em que se encontra, retomará as cartas. Talvez inspirada por Rosa, talvez por Simone, talvez por ela mesma, que não é mulher de não se bastar, essa Anita Lopes.

Forte abraço de quem muito te ama.

Maria Cláudia Cabral
Caio,

Já não sei o que sinto, nem mesmo tenho certeza de quem fui ao seu lado. Não sei tampouco quem sou agora, diante das revelações.

Perdoe meu silêncio por um tempo que não saberei precisar qual será, mas que certamente é necessário para compreender tudo o quanto li dias atrás, tudo quanto soube hoje de ti.

Até,

A.L.

 http://cartasdeanita.blogspot.com/2010/06/bilhete.html

terça-feira, 8 de junho de 2010

X Carta a Caio Marques - confissões

Querido Caio,


Não sei como dizer... Já não sabia,  agora urge contar-te. Meu coração se aperta. Já deveria ter compartilhado contigo. Mas não fui capaz. Não fui capaz porque meu coração se espreme no peito ao pensar que nossos vínculos, mesmo indestrutíveis, estão laceando. Mais precisamente, que o amor que sinto talvez já não seja o mesmo amor, assim como a flor do Ipê Rosa a cada estação já não é a mesma flor. Sinto falta de amá-lo assim, amiúde, intensa e incondicionalmente. Sinto falta de estar apaixonada irremediavelmente por ti. Por isso venho adiando o momento de dizer-te...

...Meus olhos encontraram outros olhos durante a última viagem.  Enquanto meu coração disparava, ainda que discretamente, entristecia-se solitário, sem ter com quem dividir o peso dessa perda. Perdi o amor que sentia, eu o vi escorrer por entre os dedos. Agora era fato: Meus olhos viram outros olhos.

Vinha sentindo a nuca aquecer-se em pleno inverno. Sentia um olhar insistente bem atrás de mim, frequentemente. Virei delicadamente a cabeça - mas não completamente - e vi. Vi aquele olhar acinzentado: intenso e expressivo a me mirar. Voltei-me novamente para frente, mãos úmidas. Não era possível. Não estava acontecendo - dividi com meus botões.

Os dias se passavam e aqueles olhos ainda aqueciam minha nuca. Não era apenas uma sensação. Quando me virava lá estavam os olhos dele me fitando fixamente, com lábios que ensaiavam um sorriso incerto. As noites também passavam, aqueles olhos não tinham nome, nem voz e mesmo assim estava convicta de que já os conhecia, mesmo sem jamais tê-los visto antes.

Buscava-te em vão na caixa de correspondências. Gritava seu nome em silêncio e não me ouvias. Supliquei tua atenção, mas estavas ausente. Completamente ausente.

Último dia, após o trabalho intenso, saímos todos a comer e a beber juntos. Saímos para confraternizar e comemorar o êxito de nossa empreitada. Lá estavam eles a me fitar. Não pude deixar de retribuir o olhar, ainda que por alguns segundos apenas. Deixara, quase sem querer, escapar um sorriso contido, encabulado. Sorriso de menina.

Encontrei aqueles olhos acinzentados. Despedimo-nos numa esquina próxima ao meu hotel, lugar em que me deixou após o jantar, como il faut, e a promessa de nos vermos breve e muitas coisas para contar.

Foi assim. Suave e terno. Apenas olhar, leve embriaguez e sorrisos, mas foi. E agora que vens, devo adverti-lo que também ele estará na cidade nesse período. Chegará daqui a dois dias. Não sei se nossos olhares serão cúmplices novamente, mas nossa correspondência incessante indica que, de sorrateiro e tímidos, nossos olhos brilharão mais intensamente.

Não sei ser como tu. Não sei ser fragmentada, meus olhos se voltam apenas para um olhar por vez. Sou inteira em todas as minhas relações. Sigo inteira contigo, amando-te incondicionalmente como um dos mais ternos e próximos amigos que já tive. A vida segue, afinal. 

Sua amiga sempre,

A.L.