Desenvolvemos uma cumplicidade tal que não há como deixar de ser Caio Marques. Ele és tu. Nada ou ninguém poderá te tirar essa identidade roubada, que aos poucos foi se pegando em tua pele e amalgamando idéias e sentimentos. Sinto que preciso de tuas cartas para seguir adiante. Não quero olhar para trás, para o velho Caio que criei para mim. Quero o novo Caio, com quem partilho as delícias da última aventura pelo interior, doce de leite e pão de queijo à noite, com gosto de falta grave.
Pois bem, íamos ao campo, eu e Alva - não lhe falei sobre ela? (estás certo de que não falei sobre ela antes?) Bem, comecemos então apresentando-a. Alva é a criatura mais doce que conheci em muito tempo. Sua voz é suave e os olhos verdes grandes são profundos e expressivos. Seus gestos são limpos e leves, e em seu sorriso mora uma sofisticação completamente despretensiosa. Alva é.
Eu a conheci logo no primeiro dia de viagem e a amizade se estabeleceu facilmente entre nós ao concordarmos que precisávamos - antes de tudo - de um sorvete para refrescar a tarde quente e úmida. Ao ser convidada a compartilhar sua companhia no domingo, senti-me profundamente acolhida. Decidimos entre um trago e outro, que iríamos ao campo.
A ruralidade me encanta, sempre me encantou e nos últimos anos tenho sido atraída por ela mais e mais. De várias formas. Já havia compartilhado isso contigo (ou com ele) quando falei sobre a casa no campo que habitara meus sonhos por anos e que encontrei para alugar nas planícies centrais quando lá estive. Ainda assim, muito ainda tenho de aprender sobre o meio rural e suas peculiaridades, sou garota da cidade, nascida e criada em grandes centros urbanos.
Por isso, quando vi minúsculas flores amarelas que coalhavam as margens da estrada fiquei encantada com a vivacidade dourada. Foi quando descobri que tais flores - tão lindas - são chamadas 'mal-me-quer'. Elas são na verdade uma praga que assola terrenos não cultivados. Ao ouvir aquilo desliguei-me do percurso por uma fração de segundos.
Não sei desde quando ou onde nasceu o jardim como metáfora do amor ou dos relacionamentos, mas ela cabia muito bem com o comentário sobre o mal-me-quer. Não pude evitar os pensamentos sobre isso. Senti naquele momento que quando deixamos de cultivar o amor, quando permitimos que ventanias destruam nossas mudas, e logo voltamos a cultivar nosso terreno sem fazer uma profunda e cuidadosa limpeza, corremos o risco - mais que isso, é quase certo - que ervas daninhas ou pragas como o mal-me-quer invadam a área, primeiro sorrateiros, com jeito moleque e colorido de ser, para irem tomando conta de tudo.
E quando nos damos conta, ela está cobrindo toda a área, e o que era o terreno carinhosamente cultivado, torna-se área tomada pela florzinha-amarela-linda-e-ordinária, que sufoca as sementeiras.
Mas a mal-me-quer não é má. Ela é o que é: uma praga, uma erva daninha. Essa é sua natureza e por isso deve ser aceita e respeitada. Ela, como planta oportunista que é, ocupa espaços não cultivados ou cultivados sem o devido cuidado. E a quem compete limpar a terra, arar e semear? Aos jardineiros. Se eles, que são quem são: responsáveis pelo cultivo, não cuidarem da terra, terão seus canteiros tomados pela mal-me-quer.
Seus canteiros serão arrasados. tristes, eles sentirão raiva e culparão o clima, a terra, o tempo, as sementes; sentirão raiva e virarão as costas para o cultivo, achando que cultivar não vale a pena. Querido Caio, não há maior engano. Cultivar vale a pena, mas como tudo nessa vida, só e somente só ser o fizermos completamente presentes e atentos ao canteiro e ao cultivar. Apenas com atenção os jardineiros podem perceber a aproximação do mal-me-quer, da tempestade, da ventania e proteger seu canteiro arrancando pela raiz o mal-me-quer, protegendo o canteiro das intempéries da natureza.
É, meu lindo amigo, cultivar é simples, mas não é fácil. Há que amar seu canteiro para que a sementeira vingue e cresça forte e viçosa. O trabalho é árduo, mas vale a pena, por que não há nada mais lindo e acolhedor que um belo jardim.
Abraço sincero,
A.L.
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